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Aranô morava na região alagada pelo reservatório de Belo Monte e precisou deixar sua casa em 2011. (Foto:Giulio Paletta) |
O ribeirinho Leonardo Batista, 59, recorda-se
vividamente do 1º de junho de 2011, quando escutou no rádio que a construção da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte em Vitória do Xingu (PA) fora autorizada. No
papel, o empreendimento da Norte Energia S.A. prometia ser o maior fornecedor
energético totalmente brasileiro. Na prática, o processo envolveu violações de
direitos humanos que o Ministério Público Federal (MPF) do Pará classificou, em
2015, como “ação etnocida”. Quase oito anos após ser deslocado de sua casa na
margem do Xingu, Aranô, como Batista é mais conhecido, ainda aguarda para ser
reassentado e luta pela recomposição dos modos de vida.
O funcionamento integral da usina de Belo Monte
está previsto para o último trimestre deste ano. Segundo a empresa, os 11,2
megawatts de potência forneceriam energia a 60 milhões de brasileiros. A Norte
Energia afirma que dispensou R$ 6,3 bilhões em ações socioambientais desde que
Belo Monte entrou em atividade comercial, em abril de 2016. Segundo a empresa,
o montante se dividiu entre cinco mil ações nos municípios paraenses de
Altamira, Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu –
impactados diretamente – e Gurupá, Medicilândia, Pacajá, Porto de Moz, Placas,
São Feliz do Xingu e Uruará –indiretamente afetados.
A empresa também informa que providenciou relocação
a “aproximadamente 4 mil famílias da área urbana de Altamira, que saíram de
palafitas fincadas às margens de igarapés e do rio Xingu para casas em bairros
com infraestrutura completa, entre outras ações habitacionais, como indenização
de 4.041 imóveis residenciais e 1.265 imóveis comerciais”.
“Como é que nós podíamos ter uma vida melhor se nós
não sabíamos de nada, não temos profissão de nada?”, questiona Aranô. “O que
nós sabíamos fazer era pescar, colocar nossa rocinha, viver da terra. Agora, só
porque dão uma casa lá em Altamira isso para eles é vida melhor?”
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Com Belo Monte, Raimunda Gomes (no alto) foi removida por causa de uma hidrelétrica pela segunda vez. Em 1985, ela precisou sair da casa atingida pelas obras da usina de Tucuruí, 300 km ao sul de Belém (PA). Já em Altamira (PA), ela recebeu um terreno da empresa Norte Energiamem 2016 e construiu a casa (acima) com ajuda de parentes e amigos. (Foto:Giulio Paletta) |
No final de 2011, no início das remoções, Aranô
mudou-se para a casa da filha na zona urbana de Altamira. De 2012 a 2014, ele e
outros ribeirinhos ainda resistiam. Voltavam para as praias e ilhas,
improvisavam barracos de lona, pescavam e depois retornavam à cidade. Contudo,
a região não demorou a ser completamente alagada pelo reservatório.
Aranô caiu em depressão nos primeiros meses na
cidade. “Eu estava fraco. Minha vida era tomar café, fumar e pensar. Não me
dava prazer de nada”, ele lembra. Certo dia, depois de roçar o mato em um
terreno, Aranô voltava com uma foice e uma lima na mão quando, de repente, sua
vista escureceu, ele sentou-se na calçada e apagou. Um comerciante o ajudou,
dando-lhe um copo de leite.