A sobrevivência das pessoas, animais, espécies aquáticas e vegetais foi posta em risco pela operação da usina hidrelétrica de Belo Monte no trecho conhecido como Volta Grande do Xingu, abaixo da cidade de Altamira (PA). Essa é a principal conclusão do relatório que o Ministério Público Federal (MPF) apresentou esta semana em conjunto com várias instituições que participaram de uma vistoria na região em fevereiro de 2019. Com o desvio de 80% da água do rio para alimentar as turbinas da usina, diz o documento, “não está demonstrada a garantia da reprodução da vida, com riscos aos ecossistemas e à sobrevivência das populações residentes”.
O relatório produzido pelo MPF afirma que a vistoria verificou “a desestruturação da vida econômica e social da região da Volta Grande do Xingu, que impulsiona evidente processo de expulsão silenciosa das populações locais”, com muitas famílias tendo saído do local pela falta de condições de sobrevivência, sem receber nenhuma indenização ou compensação. As comunidades estão em situação de abandono e emergência e a concessionária de Belo Monte, a Norte Energia, “resiste em assumir, perante os moradores, a responsabilidade pelos impactos decorrentes de suas atividades”.
A empresa, constata o relatório, não adota mecanismos eficientes de mitigação, aferição e reparação quanto às violações de direitos humanos decorrentes de suas atividades, não dá acesso à informação nem a mecanismos de participação das comunidades, e não tem instrumentos adequados para informar os moradores sobre as variações constantes na vazão do rio Xingu, que passou a ser controlada exclusivamente pela Norte Energia. As mudanças na vazão do rio são bruscas e muitas vezes perigosas: a empresa libera ou desvia as águas sem conseguir informar adequadamente os moradores. Pessoas que há gerações se locomovem e retiram o sustento do rio encontram sérias dificuldades para navegar e se alimentar. Quando o rio sobe, sem respeitar os ciclos naturais, os peixes se aproximam das margens alagáveis em busca de alimento e, de repente, a vazão é reduzida, deixando muitos para morrer, presos em armadilhas. Os indígenas dizem que a Volta Grande virou um cemitério de peixes.
Em todas as 25 comunidades visitadas pela vistoria – indígenas e não-indígenas – se falou do temor de um rompimento da barragem e o desastre em Brumadinho foi lembrado. Os moradores da Volta Grande foram afetados, logo após a licença de operação de Belo Monte, por uma grande enxurrada artificial, provocada pela liberação súbita e sem aviso de um grande volume de água. O incidente provocou muitos prejuízos materiais e instalou em definitivo o medo na região – o que se agrava pela ineficácia dos sistemas de informação montados pela Norte Energia. Para se ter uma ideia, em quase todas as comunidades não existe sinal de internet ou celular.
No total, o relatório apresenta 74 constatações feitas por equipes multidisciplinares e interinstitucionais que percorreram a Volta Grande do Xingu durante dois dias, 25 e 26 de fevereiro de 2019. As conclusões se organizam por eixos, incluindo violações a direitos básicos como saúde, educação e acesso à água, e chega às ameaças concretas à vida dos moradores, pelas consequências ecológicas graves do desvio das águas do rio. “A instalação da UHE Belo Monte se deu sem avaliação segura quanto à viabilidade econômico-financeira do empreendimento; se deu sem avaliação segura quanto à viabilidade ambiental”, afirmam os relatores.
Condições ecológicas mínimas para reprodução da vida – esses são os termos usados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para conceder as licenças ambientais para a construção e operação de Belo Monte, quanto ao desvio da água da Volta Grande do Xingu. Nos documentos oficiais, a região passou a ser chamada de Trecho de Vazão Reduzida, mas deveriam ser garantidas as ditas condições mínimas. Para os relatores da vistoria, essas condições já estão ausentes hoje, quando a usina ainda não está completamente operacional.
Especialistas em ecologia constataram que, mesmo antes de Belo Monte começar a operar em sua capacidade máxima – a previsão oficial é que isso ocorra em dezembro de 2019 – as vazões liberadas hoje para a área não estão garantindo as cotas mínimas de inundação das planícies aluviais e das corredeiras. Com isso, os peixes estão visivelmente magros e sem carne, não conseguem se alimentar, além de terem reduzido significativamente os volumes, o que coloca em risco diretamente a subsistência das comunidades.