Enfermeiras foram afastadas após imunizarem indígenas fora da lista de prioridades; uma delas já foi reintegrada
Essa discriminação fez com que mais da metade da
população indígena do país ficasse de fora da primeira etapa da imunização
contra covid-19.
A Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
questiona na Justiça, desde 2020, a exclusão dos indígenas não aldeados. Um dos
argumentos é que muitos deles, embora vivam no ambiente urbano, visitam as
aldeias com frequência e se tornam vetores de transmissão do vírus.
Na última terça-feira (16),
o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou essa argumentação e determinou que
todos os indígenas sejam considerados grupo prioritário para vacinação, mesmo
aqueles que não vivem em terras homologadas ou estão na cidade.
Perda de doses
A perda de doses foi relatada em um parecer técnico
emitido pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Mato Grosso.
“Vale ressaltar que as
perdas dos imunobiológicos representam um grave incidente e é de
responsabilidade do município o zelo, bem como a observância dos padrões
recomendados aos imunobiológicos”, diz a nota da secretaria.
Os frascos com as vacinas estavam no Distrito Sanitário
Especial Indígena (DSEI) Xingu, localizado em Canarana (MT), uma das cidades
vizinhas ao TIX.
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) investiga a
hipótese de que as doses teriam sido perdidas por conta de armazenamento
inadequado. A responsabilidade da perda dos imunizantes está sendo apurada pelo
Ministério Público
Em nota, o Ministério da
Saúde afirma que o Plano de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19
prevê uma “perda operacional” de 5% das doses e, que, caso confirmado o
problema, não faltarão vacinas para cumprir a meta de imunização no Xingu.
Negação da vacina
Enquanto as 320 doses eram jogadas fora, o DSEI negou a
vacinação para indígenas de diferentes etnias sob alegação de não viverem no
TIX, e sim, nas cidades do entorno.
Pelo planejamento inicial do governo, seriam imunizados
apenas os indígenas registrados no Sistema de Informação em Saúde Indígena
(SIASI).
No TIX, o total de indígenas que podem ser vacinados é de
3.938. Até o momento, 72% deles receberam a primeira dose e 13%, a segunda.
Vacinação no Baixo Xingu depende da cooperação entre organizações indígenas e não indígenas / Priscila Fonseca.
A determinação do STF da última terça, permitindo a
vacinação de não aldeados, consta na homologação parcial da quarta versão do
Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas, no contexto da
Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 709.
Antes da decisão do ministro Luís Roberto Barroso ser
oficializada, indígenas vinham denunciando a omissão do DSEI em vacinar todos
os indígenas nas aldeias, incluindo a perseguição e demissão de profissionais
de saúde que escolhiam pela imunização.
A situação chegou ao limite no dia 15 de fevereiro de
2021, na Aldeia Ytapap, no Baixo Xingu, quando foram vacinados três indígenas
que, desde o início da pandemia, permaneceram em isolamento na aldeia dos pais
e já construíram suas casas na comunidade.
Como consequência, as duas enfermeiras responsáveis pela
vacinação foram afastadas de suas funções, por ordem do Coordenador Distrital
DSEI Xingu/Sesai/MS, Marcos de Carvalho. Uma delas enfermeiras, Vivian Vaz da
Costa, trabalhava há 14 anos no distrito.
A outra, Karine Cardoso Santos, é enfermeira do Projeto
Xingu, vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ela teve a
demissão solicitada por ofício enviado por Carvalho à coordenadora do Projeto,
Sofia Beatriz Machado de Mendonça, e já foi reintegrada.
A reportagem não conseguiu confirmar se Vivian Vaz da
Costa também foi reintegrada. O texto pode ser atualizado assim que houver
novas informações.
Revolta
“Esses indígenas têm residência fixa tanto na aldeia
quanto na cidade”, relatou um morador da região que não quis se identificar à
reportagem. “Então, a demissão não se justifica. Outros DSEI tiveram essa
preocupação, e a vacinação está ocorrendo normalmente [mesmo para quem vive na cidade].”
“Existe uma perseguição aos nossos parceiros, Instituto
Socioambiental [ISA], Projeto Xingu e ATIX, para deixar só profissionais com
pensamento político bolsonarista. Mas foi graças a eles que conseguimos
enfrentar a pandemia no Xingu. Se fosse só pela Sesai, o número de óbitos seria
muito maior”, acrescentou a fonte em off.
As demissões geraram revolta em todos os polos do Xingu,
com lideranças pedindo a saída imediata do secretário, e até com ameaças de
ocupação da sede do DSEI.
Em ofício, a Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX)
pediu respostas ao secretário pela recusa da vacinação aos indígenas.
“Informamos a vocês que no Xingu não existem índios
desaldeados, como a III gestão do DSEI está alegando”, diz o documento enviado
pela Associação.
Em outro trecho, a ATIX afirma que a defasagem e
desatualização dos cadastros no SIASI são de responsabilidade da gestão do DSEI
Xingu e não dos indígenas.
O secretário não respondeu diretamente à ATIX, mas enviou
um ofício a Fernanda Aliano Baldessar, Chefe da Divisão de Atenção à Saúde
Indígena (DIASI/Xingu), permitindo a vacinação dos três indígenas.
A justificativa foi “a pressão que a gestão vem sofrendo
e ainda a ameaça de invasão”. O secretário lembrou ainda que a última
“invasão”, ocorrida em 2017, durou cerca de 6 meses e “causou vários danos que
a gestão está tentando reverter até hoje”.
Nesta semana, para tentar acalmar os ânimos, Marcos de
Carvalho está em visita aos quatro polos do Xingu para ouvir as demandas dos
indígenas.
No TIX, até o dia 17 de março, foram confirmados 1.030
casos de covid-19 com 718 pessoas curadas e 16 óbitos.
O Brasil de Fato entrou em contato com o DSEI Xingu na
segunda-feira (15) para ouvir sua versão sobre o caso, mas não houve retorno.
Fonte: Brasil de Fato
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