Operação. Foto: UOL |
Cansados de aguardar uma ação do governo federal
para reverter a invasão de suas terras, os tembés da Terra Indígena Alto Rio
Guamá, no Pará, criaram um grupo de "Guardiões da Floresta" e
passaram a cercar os invasores e exigir sua saída.
No último dia 9, com os rostos
pintados, pilotando motos e uniformizados, cerca de 40 "guardiões"
tembés armados se dirigiram a um acampamento de madeireiros na localidade
conhecida como igarapé Ubin, a cerca de 30 km da aldeia Tenetehara. Um grupo de
nove pessoas foi rendido, advertido a sair da região e depois liberado.
O cacique Sérgio Mutí Tembé disse
ao repórter-fotográfico de Belém (PA) Raimundo Paccó, que acompanhou a
fiscalização, que a ação foi um ultimato. Os índios prometem que, a partir de
agora, vão queimar equipamentos e destruir os acampamentos dos invasores.
"Nós vamos avisar que é pra sair da terra indígena, para ir embora. Não
derrubar a madeira, não explorar nossas riquezas, nossas florestas", disse
o cacique Tembé pouco antes do início da fiscalização.
O grupo começou a ser formado há dois anos e,
segundo o cacique, haverá uma série de ações para expulsar os ocupantes
ilegais. Uma primeira fiscalização foi feita há um ano. Com recursos da
organização não governamental WWF, os índios adquiriram calças, camisas,
casacos e coturnos. Grupos semelhantes de "Guardiões da Floresta"
também atuam para proteger terras guajajaras do Maranhão.
Cacique grava mensagem para Bolsonaro
Na ação do dia 9, após cinco horas de viagem, os
índios primeiro encontraram o não indígena Altemir Freitas Mota, de 52 anos.
Ele estava perto de uma grande árvore piquiarana, considerada valiosa na
região, já derrubada por motosserra. Inquirido pelos indígenas, Mota negou que
estivesse trabalhando com madeireiros. Instado a levar os índios até o
acampamento, primeiro indicou um caminho errado e depois corrigiu.
Os tembés então encontraram seis homens adultos,
uma mulher, que trabalhava como cozinheira do grupo, e uma criança. O cacique
Sérgio disse ao grupo que a presença deles na terra indígena será denunciada ao
Ministério Público, ao Ibama e à Funai e pediu que eles
saíssem imediatamente da região. Em vídeo gravado por Paccó, o cacique fez
um apelo ao presidente Jair Bolsonaro.
"Bolsonaro, presidente, você tem que ter o
respeito com a nossa população indígena. Foi eleito, alguns indígenas, nós
votamos em você. Você tem que ter um respeito pela nossa cultura, nossa
tradição. Quando vocês chegaram aqui no Brasil, nós já estávamos aqui, você
vieram invadir. Então, presidente, tem que ter respeito, junto com seus
deputados, senadores, parlamentares. Porque nós somos seres humanos, somos
gente e somos brasileiros. Peço para você ter um respeito por nós. Não venha
nos massacrar, não venha falar coisa de nós."
Terra reservada em 1945 e homologada desde 1993
A Alto Rio Guamá, com cerca de 2 mil indígenas, é
considerada uma das mais antigas terras indígenas reconhecidas no Brasil e no
Estado do Pará, tendo sido reservada ainda em 1945 pelo extinto SPI (Serviço de
Proteção ao Índio). Ela foi interditada em 1990 e homologada em 1993. Além dos
tembés, vivem ali indígenas awás-guajás e ka'apor. No entanto, diversos pontos
da terra continuam invadidos por não indígenas. Os índios estimam em mais de
300 ilegais no território, muitos dos quais ligados à extração clandestina de
madeireira.
Há um ano, o MPF (Ministério Público Federal) do
Pará requisitou à Polícia Federal e ao comando do Exército em Belém uma
operação urgente na região a fim de "evitar ataques de madeireiros contra
indígenas do povo Tembé, na Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá". O pedido
também foi enviado à Funai e ao governo do Pará. O MPF explicou que as invasões
se agravaram em 2019. De acordo com o MPF do Pará, desde 2014 há uma decisão
judicial favorável aos indígenas que determinou à União a apresentação e a
execução de um plano de retirada dos não indígenas.
O governo não apresentou o plano até o momento,
segundo o MPF. Em 1º de setembro último, em texto distribuído à imprensa, o
MPF e manteve a integridade da terra indígena. O município de Nova
Esperança do Piriá (PA) tentava desde 2006 na Justiça desmembrar 69 mil
hectares do território indígena, sob a alegação de que essa parte pertencia a
colonos. Em junho, o TRF decidiu que não havia prova da alegação da prefeitura,
acompanhando uma decisão da Justiça Federal de primeira instância. O caso
transitou em julgado, ou seja, se encerrou, em 25 de agosto.
Segundo o MPF, o território indígena começou a ser
invadido durante a ditadura militar (1964-1985), quando as promessas do governo
atraíram para a região diversas famílias de colonos. O Incra chegou a baixar
uma portaria que pretendia excluir um pedaço da terra indígena. Essa disputa
administrativa entre Funai e Incra, contudo, foi resolvida ainda em 1993, com a
homologação final da terra indígena.
Agora o TRF reconheceu a posição do MPF, que
afirmou estar "comprovado que a área reivindicada pelo município apelante
é área cuja posse indígena é imemorial, tanto que desde 1945, portanto há mais
de 60 anos, já fora reconhecida como de ocupação indígena". Esse trecho em
disputa não briga mais colonos, informou o MPF. As famílias já foram
reassentadas pelo Incra em outro local.
Plano de desintrusão Procurado pela coluna, o
procurador da República em Paragominas (PA) Renan Lima confirmou que a terra
indígena Alto Rio Guamá "está regularmente demarcada e todo e qualquer
ocupante que não seja indígena e que insista em ficar está numa situação
irregular". "O MPF ajuizou ainda em 2012 uma ação de reintegração de
posse em favor dos indígenas para que os ocupantes não indígenas sejam
retirados e a posse da terra seja devolvida para os indígenas.
Essa ação foi sentenciada em 9 de outubro de 2014,
quando houve a decisão para que a União apresentasse um plano operacional de
desintrusão. Portanto desde 2014 já há determinação para a União apresentar e
executar o plano. A União não cumpriu o prazo e em razão disso o MPF
requisitou aplicação de multa e também requisitou novamente que a União seja
intimada a apresentar de maneira definitiva esse plano e fazer a desintrusão. O
MPF atuou e continua atuando na defesa dos direitos dos indígenas para que eles
consigam a totalidade do território.
Fonte: UOL
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