Foto: Bob Morales/MPF |
Antes habituados à fartura de peixes de um dos
maiores rios amazônicos, os pescadores da região do médio Xingu, no Pará,
passam por dificuldades para sustentar suas famílias desde as obras da
hidrelétrica, quando começaram as explosões no rio e a mortandade de peixes.
“Antes eu nunca vi pescador mendigar cesta básica e agora dependemos de cesta
básica porque hoje não tem mais peixe para sustentar nossa família. Tomaram o
que é nosso, tomaram nosso peixe e tomaram as nossas vidas”, disse o pescador
Áureo da Silva Gomes, que mora na área do reservatório da usina, em uma das
duas audiências públicas promovidas pelo Ministério Público Federal (MPF) em
Altamira e Vitória do Xingu esta semana para debater a situação.
Foto: Bob Morales/MPF |
As audiências colocaram frente a frente cerca de
1,3 mil pescadores, representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(Ibama) responsáveis pelo licenciamento de Belo Monte e da Norte Energia,
concessionária da hidrelétrica e responsável pelos impactos sociais e
ambientais. Também participaram da audiência representantes da Defensoria
Pública do Estado do Pará (DPE) e da Defensoria Pública da União (DPU) e os
pesquisadores André Sawakuchi, da Universidade de São Paulo (USP), Eder Mileno,
da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Jansen Zuanon, do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Eles integram uma rede de pesquisadores de
várias universidades brasileiras que assessoram o MPF na análise técnica dos
danos provocados pela usina no Xingu.
Foto: Bob Morales/MPF |
A procuradora da República Thais Santi, que
convocou as audiências, considera que não há mais controvérsias sobre os graves
danos causados pelo barramento do Xingu sobre os estoques e a atividade
pesqueira na região. O alagamento dos igapós na área do reservatório e o desvio
da água na área da Volta Grande do Xingu inviabilizou a desova e a alimentação
das espécies de peixes, reduzindo drasticamente os rendimentos dos pescadores.
Estima-se que sete mil pessoas estejam enfrentando dificuldades para sustentar
suas famílias.
Pobreza, fome e falta de luz – Nas duas audiências, nos dias 16 e 17, não foram poucos os depoimentos de pescadores que disseram estar passando fome, vivendo de doações, sem energia elétrica por falta de dinheiro para pagar as contas. As perdas econômicas se acumulam e são severas em uma região em que alguns anos atrás a pesca garantia uma vida confortável e autonomia a pescadores, ribeirinhos e indígenas. “O que tinha para o peixe comer no rio acabou. Será que vocês iriam ficar num lugar sem comida? Por isso os peixes foram embora. O pescador hoje em dia faz uma pescaria e quando ele vai entregar para o atravessador ele tá devendo o atravessador. Antes a gente tinha três redes para pescar, fazia R$ 2 mil a R$ 3 mil por semana. Hoje com 3 mil metros de malhadeira a gente passa duas semanas no rio e consegue pescar R$ 200 a R$ 300 reais. Fora as qualidades de peixes que não temos mais. Sumiu pacu de seringa, matrinchã, curimatá [espécies apreciadas e de alto valor econômico]”, disse o pescador Cleo Francelino, que vive na área do reservatório.
Foto: Bob Morales/MPF |
Sete mil pescadores enfrentam
escassez de peixes e exigem reparação do Ibama e da Norte Energia
Antes habituados à fartura de peixes de um dos
maiores rios amazônicos, os pescadores da região do médio Xingu, no Pará,
passam por dificuldades para sustentar suas famílias desde as obras da
hidrelétrica, quando começaram as explosões no rio e a mortandade de peixes.
“Antes eu nunca vi pescador mendigar cesta básica e agora dependemos de cesta
básica porque hoje não tem mais peixe para sustentar nossa família. Tomaram o
que é nosso, tomaram nosso peixe e tomaram as nossas vidas”, disse o pescador
Áureo da Silva Gomes, que mora na área do reservatório da usina, em uma das
duas audiências públicas promovidas pelo Ministério Público Federal (MPF) em
Altamira e Vitória do Xingu esta semana para debater a situação.
As audiências colocaram frente
a frente cerca de 1,3 mil pescadores, representantes do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente (Ibama) responsáveis pelo licenciamento de Belo Monte e da Norte
Energia, concessionária da hidrelétrica e responsável pelos impactos sociais e
ambientais. Também participaram da audiência representantes da Defensoria
Pública do Estado do Pará (DPE) e da Defensoria Pública da União (DPU) e os
pesquisadores André Sawakuchi, da Universidade de São Paulo (USP), Eder Mileno,
da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Jansen Zuanon, do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Eles integram uma rede de pesquisadores de
várias universidades brasileiras que assessoram o MPF na análise técnica dos
danos provocados pela usina no Xingu.
Os danos sobre a pesca já
foram reconhecidos pelo Ibama em parecer técnico dentro do licenciamento da
usina, que busca a renovação da licença de operação, vencida desde novembro de
2021. Carolina Reis, do Instituto Socioambiental, leu trechos do parecer
durante a audiência pública de Altamira. “Os técnicos do Ibama estão dizendo
que está clara a responsabilidade do empreendimento na degradação da pesca e
que vocês estão fadados a uma situação de empobrecimento. Já são dois anos e
dois meses de atraso nas medidas que não deveriam ter sido interrompidas
unilateralmente pela Norte Energia, isso reconhecido pelos técnicos do Ibama.
Como representante da sociedade civil eu digo desde já que nós consideramos que
esses dois anos e dois meses são insuficientes”, disse.
O pescador Raimundo Gomes,
conhecido como Raimundo Berrogrosso, passa tantas dificuldades que ficou com a
saúde debilitada. “Em primeiro lugar nós precisamos ser vistos por esses órgãos
públicos como seres humanos. Eu vivo a minha vida inteira no rio Xingu e hoje
não posso mais pescar porque o rio acabou. A Norte Energia acabou com as nossas
espécies, acabou com nossas ilhas e praias, acabou com nosso lazer e depois
acabou com os pescadores. Nós precisamos sim que as autoridades se levantem do
banco e obrigue a Norte Energia a pagar o que nós temos por direito. Pais de
família estão no escuro cozinhando com ponta de tábua, porque não consegue
pagar a energia nem o gás. Tem gente que está há mais de um ano sem energia”,
disse na audiência de Altamira.
Projetos paralisados –
Muitos pescadores relataram o desespero diante da inexistência de ações de
compensação e mitigação para os impactos que os afetam. “O pescador não tem
mais condições de sobreviver. A gente perdeu as nossas piracemas, a gente não
tem mais como pescar, hoje o nosso rio está pedindo socorro, o nosso rio
precisa de um descanso e a gente precisa que as autoridades olhem para o rio
com olhar de carinho. E a gente precisa da nossa indenização para poder dar
esse tempo de descanso para o rio. Os pescadores não têm condições de
sobreviver e não adianta compensação, não adianta dar uma malhadeira. Seria
para pescar o que, se não tem mais peixe?”, questionou Rita Cavalcante.
“Como vocês constroem uma
barragem dentro de um rio, indenizam carroceiros, indenizam oleiros, indenizam
fazendeiros e não indenizam pescadores? Vocês sabem o que acontece no Xingu,
vocês sabem que nós não temos mais condição de viver da pesca. E nós precisamos
ser indenizados”, disse a pescadora Maria Francineide. “A maioria aqui está
doente. Problema de depressão, coceira, rins. Esse é o legado de Belo Monte.
Usaram o nosso nome, o nome da nossa comunidade para batizar esse monstro que
nos destrói. Eu me criei no Belo Monte. Vinha gente de toda parte para comer o
peixe frito aqui no Belo Monte. Isso acabou. Porque acabou o peixe. Pobreza,
miséria, rio infértil, doença, esse é o legado da Norte Energia no Xingu. A
gente tinha dignidade, a gente pescava, a gente comprava nosso alimento, a
gente vivia bem. Hoje em dia acabou tudo. A gente hoje pede uma vida melhor
porque era o que a gente tinha e vocês tiraram”, cobrou Sara Rodrigues,
pescadora da Volta Grande do Xingu, de onde foi desviada 80% da água para
movimentar as turbinas da usina.
Impactos extraordinários – Para os pesquisadores que assessoram o MPF, o que ocorre no
Xingu após o barramento de Belo Monte é uma situação única no país, com um rio
de grande porte sendo desviado de seu curso natural para a produção de energia
– a chamada usina a fio d'água – que produz um impacto duplo, com alagamento de
um lado e seca extrema de outro. Esse modelo destruiu o pulso de inundação, que
assegurava a reprodução das espécies e a manutenção das florestas e das
comunidades.
“O que foi feito no Xingu
nunca foi feito em nenhum outro rio do Brasil, que foi transferir um rio para
outro lugar. E os impactos sobre a Volta Grande não tem par em nenhum outro
processo de licenciamento em curso ou anterior no Brasil. Como não existem
exemplos e parâmetros o caso exige um tratamento extraordinário. Eu entendo que
não existem piracemas há vários anos na Volta Grande e isso necessariamente
demanda indenização. Mas salvar a pesca na região exigirá uma partilha menos
desequilibrada da água, entre a produção de energia e a sobrevivência da natureza”,
concluiu o professor André Sawakuchi, geólogo da USP que é especialista em
grandes rios amazônicos.
“Claro que todas as barragens
terão impactos sobre a pesca mas o que se vê aqui são impactos muito maiores do
que o esperado. Nunca foi feito um cálculo social e ecológico de quanta água
poderia ser desviada para Belo Monte e quanto teria que ser desviada para a
Volta Grande do Xingu. Esse cálculo nunca foi mostrado porque ele nunca foi
feito. Se tem uma solução para peixes, quelônios e pessoas é água na Volta
Grande. Se tiver água chegando na época certa e em quantidade suficiente para
alagar as áreas de igapó, a gente pode garantir as piracemas e a alimentação
dos peixes. Se não houver, vamos ter cada vez menos peixes no Xingu”, disse
Jansen Zuanon, do Inpa.
“Queria saber qual a medida de
mitigação para um povo que se diz dono do rio, que somos nós o Juruna. Como se
tira a água do rio de um povo do rio? Essa é a pergunta que eu deixo para vocês
e qual a medida que se dá a esse impacto relacionado a nossa vida. Esse espaço
aqui é para discutir a reparação pelas perdas da pesca. Nós estamos sem água,
isso é fato, e não somos só nós que pedimos socorro mas também os peixes,
porque os peixes precisam se alimentar, os peixes precisam reproduzir e não tem
água. Acima do barramento tem muita água, abaixo do barramento não tem água.
Quero que vocês busquem a pessoa que de tão longe calculou a quantidade de água
que deveria ser liberada para nós, sem sequer essa pessoa ter pisado na Volta
Grande. Busque essa pessoa para vir ver o impacto que causou a gente, a gente
humano e também de todos os seres que vivem ali”, disse Bel Juruna,
representante do povo Yudjá.
Respostas – O
representante da Diretoria de Licenciamento do Ibama, Jônatas Andrade, explicou
que os técnicos estão debruçados no momento nos dados enviados pela Norte
Energia para dimensionar os impactos e os possíveis ajustes a serem feitos no
licenciamento. “A equipe técnica tem analisado os relatórios que são
apresentados pela empresa e a partir dessas análises a gente adota alguma
solução ou ação. E os ajustes dentro do licenciamento ocorrem naturalmente,
ainda mais em um processo complexo como esse. Sobre a reparação, teremos uma
resposta sobre isso também. O que é importante é entender os problemas e
resolver as questões de forma bastante prática, de maneira que seja efetiva
também. Não adianta indenizar sem ter um planejamento futuro. O que eu posso
falar para vocês é que o Ibama está trabalhando na análise de tudo que tem sido
apontado e essa audiência aqui é importante para a percepção técnica de tudo
que está sendo sentido por vocês”, disse.
A representante da Norte
Energia, Luciana Soares, culpou a pandemia de covid-19 pela interrupção dos
projetos de compensação e mitigação para os pescadores e disse que a empresa
vai procurar ajustar esses projetos a partir dos depoimentos das audiências
públicas. Para a procuradora da República Thais Santi, o direito de reparação
precisa ser reconhecido dentro do processo de licenciamento e se não for, o MPF
terá que intervir.
“A Norte Energia tem um prazo para dar resposta ao parecer do Ibama e estamos aguardando essa resposta, mas, da parte do MPF, estamos mais do que convencidos da obrigação e da urgência da indenização pelo prejuízo cotidiano que vocês vêm tendo na atividade de vocês. A reparação pela perda da pesca não é uma reparação pelo modo de vida, pela perda do rio. É uma reparação pela perda do peixe apenas. O que custa a perda de um modo de vida é algo que não é só você que sofre, é você, seu filho, o filho de seu filho que perdem o direito de ser o que vocês tinham o direito de ser. Vocês que são pescadores profissionais, artesanais, vocês têm o direito de ser pescadores”, disse Thais Santi ao encerrar as audiências.
Fotos das duas etapas da audiência pública (créditos: Bob Morales/MPF)
Fonte: MPF
Nenhum comentário:
Postar um comentário