"Já levei tapa na cara para reagir e começar a brigar. Sempre
ficava muito nervoso, mas nunca briguei. Sempre tive medo porque ele (o
agressor) era bem mais forte do que eu". O depoimento é do bancário
identificado apenas como F. B., hoje com 30 anos.
A violência que sofreu no
passado, dentro de uma escola, quando tinha 15 anos e cursava o final da oitava
série, infelizmente, faz parte do cotidiano de diversas crianças e adolescentes
em todo o mundo ainda nos dias atuais: chama-se "bullying".
"Eu era ameaçado por um
cara dois anos mais velho, que já cursava o terceiro ano. Quase todo dia sofria
ameaça de que ele me bateria", relembra.
Para vencer o trauma, o
bancário decidiu fazer musculação e artes marciais, e precisou buscar ajuda de
um profissional.
"Acho que só foi há pouco
tempo que consegui me desvencilhar disso, mas a marca ainda fica. Há alguns
anos fui a um psicólogo e isso me ajudou a virar a página", afirma F. B.
O bancário relembra ainda que
chegou a reencontrar o agressor durante um churrasco entre amigos.
"Ele não me reconheceu e
tentou fazer amizade comigo", disse. "Acabei descobrindo que tínhamos
algumas coisas em comum, mas foi bem difícil processar isso, mas no fim percebi
que o cara era totalmente diferente e que seria uma perda de tempo relembrar
tudo de novo. Então, decidi botar um ponto final nesse capítulo da minha vida,
de verdade."
F. B. conseguiu vencer o
trauma. Entretanto, inúmeras vítimas sequer têm a oportunidade de superar as
consequências do bullying e acabam atentando contra a própria vida.
Um caso recentemente que chocou a comunidade paraense foi de um estudante de 12 anos, que morreu na madrugada do dia 31 de
agosto, após ter sido suspostamente espancado na Escola Estadual
de Ensino Fundamental Santo Afonso, na Rodovia Arthur Bernardes, no bairro do
Telégrafo, em Belém.
A violência pode ter ocorrido
dentro da escola, onde o adolescente cursava o 6º ano do ensino fundamental.
Segundo os familiares, o menino sofria bullying, situação que teria sido
informada à coordenação da escola.
A Pesquisa Nacional de Saúde
Escolar (Pense) 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), com alunos do 9ª ano do Ensino Fundamental no Pará, revelou
que cerca de 45,3 mil alunos sofreram bullying por parte dos colegas de escola.
A pesquisa revelou ainda que
os principais motivos, segundo os alunos, estavam relacionados à aparência
(corpo e rosto), seguido da orientação religiosa, cor da pele ou raça,
orientação sexual e região de origem.
Outros 18 mil alunos revelaram
ter praticado bullying. Segundo pesquisa, a violência foi praticada na maioria
das vezes pelos meninos, com 19,2%, e 13,1% entre as meninas.
Nas escolas públicas, a
parcela dos alunos que admitiram ter intimidado algum colega foi de 15,1%,
enquanto que nas escolas particulares foi de 23,4%. Além disso, cerca de 20,4%
dos estudantes admitiram ter se envolvido em brigas dentro de ambiente escolar.
QUAL É O PAPEL DO GESTOR?
Para a psicóloga e professora
da Universidade Federal do Pará (UFPA), Aline Beckmann Menezes, especialista em
Psicologia Escolar e Educacional, a primeira atitude do gestor da escola e os
professores é não ser um incentivador do Bullying.
"Ao rir, reproduzir
estereótipos ou mesmo permanecer inerte quando confrontado com a violência, o
gestor ou professor transmite aos alunos que a escola endossa aquela prática,
fortalecendo o agressor e aumentando a sensação de impotência do alvo",
avalia Aline.
A psicóloga destaca ainda que,
ao presenciar o ato, o primeiro passo é agir imediatamente, seja em qual
circunstância for.
"Deve-se agir
imediatamente, mas de forma coerente com o ato presenciado, sempre contribuindo
com um olhar sobre as implicações do ocorrido, favorecendo o comportamento
empático e desenvolvendo outras formas de lidar com a situação", ressalta.
O bullying se refere a um tipo de violência que ocorre entre pares -
pessoas aparentemente em posição de igualdade - sendo recorrente e unilateral,
coletiva ou individual e de várias formas.
As agressões podem ser física,
verbal, psicológica, virtual, patrimonial, social ou ainda uma combinação de
diferentes formas de expressão, ampliando o seu impacto e comprometendo o
desenvolvimento psicossocial do indivíduo alvo.
De acordo com Aline, são
vários os fatores que afetam a ocorrência do Bullying. "Desde a ausência
de habilidades sociais que possibilitem o desenvolvimento de interações
saudáveis à presença de histórico de violência na vida do agressor, cada caso
precisa ser analisado com cuidado para que possa ser planejada uma intervenção
adequada", explica.
BULLYING NAS ESCOLAS
Em casos de bullying nas
escolas, a especialista em Psicologia Escolar e Educacional ressalta ser
fundamental a ação por parte da institucional. Segundo ela, a vítima deve ser
acolhida e amparada para ser fortalecida emocionalmente e empoderada no
ambiente social.
Segundo a psicóloga Aline, o
agressor também deve ser amparado, pois na maioria das vezes há um sofrimento
em seu histórico. Contudo, também deve ser confrontado de forma psicoeducativa
com as implicações de suas ações.
Já em relação às testemunhas,
a especialista destaca que estas devem ser sensibilizadas e orientadas a
identificar o bullying, além de saber como reagir diante dessa situações.
"Neste sentido, o
processo deve abranger discentes, docentes e equipe técnica", destaca.
"A família deve também ser envolvida, aprendendo a identificar sinais de
que a criança pode estar inserida em uma situação de violência."
O estrago dessas agressões são
visíveis tanto na vida pessoal da vítima quanto na escolar. Mas segundo a
psicóloga, as consequências são muito mais intensas do que se imagina.
"Infelizmente houve uma
banalização do termo que leva muitas pessoas a acharem que é bobagem, pois
'sempre existiu e todo mundo ficava bem'. Isso resulta em um erro de
categorização - ao se considerar brincadeiras ou implicâncias mútuas - e
ignorância quanto aos efeitos", explica.
Para que muitos não amarguem as consequências de ter sido uma vítima de
bullying, o bancário F. B. ressalta a importância de procurar ajuda
profissional ou mesmo de familiares ou amigos mais próximos.
"Resolver sozinho não é o
caminho. Não adianta você tentar racionalizar, tentar melhorar outros aspectos
da sua vida se você não procurar ajuda", avalia.
O mesmo conselho é sugerido
pela psicóloga Aline. Segundo ela, a melhor forma de enfrentar o bullying é não
banalizar a situação, mas dialogar e promover interações sociais saudáveis.
"Não banalize nem
considere fraqueza o sofrimento que seu filho possa apresentar. Todo sofrimento
deve ser acolhido e qualquer situação de violência deve ser confrontada. Estar
presente na vida da criança é a melhor forma de perceber que ela precisa de
ajuda", destaca.
UM TRAUMA TÃO CRUEL QUANTO O
ABUSO SEXUAL
Um estudo realizado pela
Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e reproduzido pela revista Super
Interessante, revelou que o bullying pode causar mais distúrbios do que outras
agressões graves, como abuso sexual.
A pesquisa reuniu depoimentos
de 480 alunos da graduação da faculdade, de diferentes cursos e semestres, com
homens e mulheres de etnias e origens sociais diversas.
O estudo apontou ainda que a
maioria dos estudantes que relataram sofrer problemas como ansiedade, depressão
ou estresse pós-traumático foram vítimas de bullying na infância.
Dos que sofriam de depressão,
19% atribuiram à ocorrência ao bullying, enquanto 0,8% atribuíram à violência
sexual.
No caso da ansiedade, 12%
afirmaram ter sofrido provocações na infância, e apenas 0,5% relacionaram a
abusos sexuais.
O estudo, portanto, concluiu
que as vítimas que sofreram provocações persistentes nos primeiros estágios da
vida desenvolvem mais doenças mentais associadas às experiências traumáticas do
que todos os outros.
O QUE O ESTADO PODE FAZER?
De acordo com a Secretaria de
Estado de Educação (Seduc) ações educativas complementares de enfrentamento ao
bullying são desenvolvidas ao longo do ano letivo com a participação das
escolas.
Para identificar casos de
bullying em ambiente escolar, as unidades promovem reuniões mensais com
diretores e corpo técnico das escolas para o assessoramento e acompanhamento
das ações administrativas e pedagógicas.
Nessas reuniões, segundo a
Seduc, as escolas que necessitam elaborar ações de sensibilização em relação à
prática do bullying ou qualquer tipo de violência podem solicitar assessoria à
secretaria, que se encarrega de promover medidas de conscientização, prevenção
e combate às práticas de violência.
DIA NACIONAL DE COMBATE AO
BULLYING
A Lei 13.277/2016 institui o
dia 7 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na
Escola.
O Projeto de Lei da Câmara
(PLC) 7/2014 que deu origem à norma foi aprovado de maneira simbólica pelo
Plenário do Senado no dia 7 de abril deste ano, exatamente cinco anos depois do
massacre na Escola de Realengo, no Rio de Janeiro.
O massacre resultou no
assassinato de 12 adolescentes - 10 do sexo feminino e dois do sexo masculino -
com idades entre 13 e 16 anos.
O autor do crime, na época com
23 anos, ex-aluno da escola e com indícios sofreu bullying na infância, invadiu
o estabelecimento e disparou tiros contra estudantes, professores e
funcionários.
Após ser atingido por um tiro
disparado por um policial, o jovem suicidou.
LEI E JUSTIÇA
A Lei 13.185/2015, que
estabelece o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, determina que será
considerado bullying "todo ato de violência física ou psicológica,
intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por
indivíduo ou grupo, contra um ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou
agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de
poder entre as partes envolvidas."
A norma caracteriza claramente
situações de agressão física, psicológica e moral, e estabelece regras para
definir casos de intimidação realizados por meio da internet.
No Pará, de acordo com a
Polícia Civil, a pena para o autor do bullying dependerá da gravidade das
consequências da prática, podendo responder desde ameaças à lesão corporal, em
caso de agressão, dentre outros crimes contra a vida.
Em casos do autor ser menor de
idade, os pais estão sujeitos a serem chamados na Justiça para responderem
pelos atos dos filhos.
Para denunciar a prática de
Bullying, a orientação da Polícia Civil, em primeiro lugar, é acionar a direção
da escola para que busque uma solução, juntamente com os pais.
Caso não haja resolução,
dependendo da gravidade dos atos cometidos, o recomendado é comunicar o caso à
polícia, com testemunhas, imagens de câmeras e outras provas que comprovem o
ato.
REPORTAGEM: Andressa Ferreira
MULTIMÍDIA: Demax Silva
COORDENADORA SÊNIOR: Diana Verbicaro
EDITOR EXECUTIVO: César Modesto
DIRETOR DE JORNALISMO: Klester Cavalcanti
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