Terras indígenas no PA (laranja) e processos minerários (vermelho). Fonte: ações do MPF |
O Ministério Público
Federal (MPF) ajuizou ação com pedido urgente para que a Justiça Federal em
Marabá (PA) cancele processos minerários incidentes em terras indígenas da
região. Em novembro do ano passado, o MPF já havia ajuizado oito ações com
pedidos idênticos às demais unidades da Justiça Federal no estado. A nova ação,
ajuizada na sexta-feira (7), aumenta de 48 para 52 o número de terras indígenas
em relação às quais o MPF pediu o cancelamento de processos minerários. Agora,
com a inclusão da região de Marabá, os pedidos abrangem terras indígenas de
todas as regiões do Pará.
As quatro novas
terras indígenas citadas são: Mãe Maria (localizada em Bom Jesus do Tocantins),
Nova Jacundá (Rondon do Pará), Sororó (Brejo Grande do Araguaia, Marabá, São
Domingos do Araguaia, e São Geraldo do Araguaia), e Tuwa Apekuokawera (Marabá e
São Geraldo do Araguaia). A ação também cita duas outras terras indígenas que,
por também abrangerem municípios de fora da região de Marabá, já haviam sido
citadas nas ações ajuizadas em novembro.
Necessidade de
cumprimento da lei
Nas ações, também
foi pedido que a Agência Nacional de Mineração (ANM) indefira todos os
processos atuais nessas áreas e os que surgirem antes do cumprimento das
exigências legais para a autorização da atividade, que incluem a necessidade de
consentimento das comunidades. A Constituição e as leis estabelecem que
qualquer medida administrativa que possa levar à autorização da atividade
minerária nessas áreas só pode ser tomada depois que houver oitiva constitucional
das comunidades sobre o decreto legislativo autorizador, autorização do
Congresso Nacional, consulta prévia, livre e informada às comunidades relativa
à autorização administrativa, e regulamentação legal.
De acordo com
manifestação da ANM ao MPF, a agência considera que a falta de lei
regulamentadora não impede que os processos minerários sejam sobrestados, ou
seja, abertos e colocados em espera. Para os procuradores da República que
assinam as ações, no entanto, o simples registro, cadastramento e sobrestamento
desses processos – ainda que não deferidos ou mesmo apreciados – contraria a
Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), que é lei no Brasil e garante o direito à consulta prévia, livre e informada.
Segundo levantamento
feito pela organização Instituto Socioambiental (ISA) por solicitação do MPF, o
Pará tem um total de 2.266 processos minerários incidentes em terras indígenas,
números maiores que, pelo menos, outros seis dos nove estados da Amazônia Legal
(o levantamento não incluiu Amazonas e Amapá, ficando restrito aos dados do
Acre, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). No total,
nesses seis estados da Amazônia atualmente existem 3.347 processos, registrados
em áreas de 131 terras indígenas inseridas nas diferentes fases do processo de
regularização fundiária (identificadas e delimitadas, declaradas e homologadas).
Impactos políticos –
Além de violar a legislação, a prática do sobrestamento produz impactos
políticos concretos, alerta o MPF nas ações. Sobre isso, os procuradores da
República no Pará signatários das ações citam decisão do juiz federal Lincoln
Rossi da Silva Viguini, que em junho deste ano acatou pedido do MPF e
determinou o indeferimento de todos os pedidos de mineração em terras indígenas
no Amazonas.
“(…) a prática de
suspensão dos processos não apenas viola o citado dispositivo como ainda cria
sério problema sob o ponto de vista ético e constitucional do processo
legislativo de regulação da mineração em terras indígenas. Os direitos de
preferência indevidamente assegurados em relação a terras indígenas acabam por
incitar grupos de interessados que podem exercer influência sobre a futura
regulação. Estão sendo elencados, por ordem de preferência, detentores de
direito cuja existência não é reconhecida, tudo com lastro exclusivo na
indevida suspensão dos processos administrativos. O DNPM [Departamento Nacional
de Produção Mineral, atual ANM], com sua conduta, tem fomentado expectativas de
direito e provável lobby sobre a regulação por parte daqueles que, no momento,
não contam com outra coisa que não seja um processo suspenso”.
Impactos
socioambientais – O MPF também destaca a ocorrência de impactos socioambientais
resultantes do sobrestamento de processos minerários em áreas indígenas, onde
os requerimentos minerários são utilizados para conferir uma aparente
legitimidade à exploração minerária ilegal – sobretudo à garimpagem. “Para além
de estimular o lobby, o sobrestamento gera insegurança jurídica aos indígenas e
transforma as terras indígenas em reservas minerárias”, criticam os
procuradores da República.
Como exemplo desses
impactos, o MPF cita garimpo ilegal flagrado em zona intangível de proteção
integral da Terra Indígena Zo’é, na região do baixo Amazonas, noroeste do Pará.
A investigação demonstrou que a área explorada coincidia com os polígonos de
quatro processos minerários pendentes de apreciação pela ANM, requeridos
justamente pelos autointitulados donos do garimpo. Em ação judicial, o MPF informou
que os impactos causados são de mais de R$ 350 mil.
“É certo que os
processos minerários não produzem, por si sós, os danos socioambientais, mas
integram um feixe de ‘documentos’ que conferem aparência de legalidade à
atividade. Esses documentos são utilizados in loco para garantir a detenção
sobre a área do garimpo, recrutar trabalhadores, contratar serviços e até mesmo
ludibriar os indígenas”, relata o MPF nas ações.
Inviabilidade
jurídica
Na ausência de
regulamentação sobre a exploração em terras indígenas, a ANM tem decidido
sobrestar os procedimentos minerários com base no Código de Mineração. No
entanto, o código trata de áreas consideradas livres, não de terras indígenas,
e, se vier a ser publicada regulamentação, poderão ser adotados procedimentos
diferentes dos existentes no código, explica o MPF.
E, mesmo que os
procedimentos gerais do Código de Mineração fossem mantidos para a análise de
pedidos relativos a terras indígenas, ainda assim as normas hoje vigentes
teriam que ser adaptadas ao estabelecido pela Constituição, tratando do direito
à consulta livre, prévia e informada, à participação nos resultados da lavra e
à reparação do dano ambiental, complementam os procuradores da República.
Relativamente a esse
tema, além de voltar a citar a decisão liminar (urgente) da Justiça Federal no
Amazonas, as ações dos procuradores da República no Pará cita sentenças de
juízes federais no Amapá e Roraima que acataram pedidos semelhantes feitos pelo
MPF nesses estados.
“Ao decidir pelo
sobrestamento e não enfrentar o ônus da negativa, ao não desconstituir a sua
‘fila’ de futuros exploradores de minério em terra indígena, o DNPM colocou os
povos indígenas do estado do Amazonas em situação de insegurança jurídica, sob
a pressão de que os interessados detentores de preferência venham a exercer o
seu direito. O caso é nitidamente de aplicação do direito dos povos indígenas
de não ser turbado por preferências e loteamento de suas terras para mineração
se não há marco legal nem tampouco autorização do parlamento. Em suma, por
essas razões centrais, o sobrestamento dos processos pelo DNPM é ilegal”,
decidiu o juiz federal Lincoln Rossi da Silva Viguini.
Na mesma linha, o
juiz federal Rodrigo Parente Paiva Bentemuller havia registrado, em sentença
publicada em 2014 pela Justiça Federal no Amapá, que “(…) o sobrestamento por
tempo indefinido faz perpetrar-se no tempo o direito de preferência dos
requerentes sobre terra que sequer podem ser objeto de atividade minerária”.
Também em 2014, sentença da juíza federal Clara da Mota Santos Pimenta Alves em
processo ajuizado pelo MPF em Roraima, apontou: “Não há direito constitucional
de exploradores de minério em terra indígena que não possa ser sacrificado e
que tenha que ser contido por meio do paliativo do sobrestamento de processos.”
Violação de
direitos
A Convenção 169 da
OIT determina que os governos devem consultar os povos interessados sempre que
sejam previstas medidas administrativas que possam afetá-los, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos acrescenta que a consulta deve ocorrer desde
a fase de planejamento do projeto, plano ou medida, com suficiente antecedência
ao começo das atividades de execução, e a Corte Interamericana, por sua vez,
esclarece que a consulta deve ocorrer desde as primeiras etapas de planejamento
da proposta, e não unicamente quando surja a necessidade de aprovação da
comunidade, de modo a permitir que os grupos participem e influenciem a tomada
de decisão.
Por isso, para o MPF
o ato administrativo de sobrestamento dos processos minerários em terras
indígenas, ao gerar direito de preferência, afeta diretamente os povos
indígenas que nelas habitam e, portanto, não poderia ser editado sem consulta
prévia, livre e informada. Apesar de o requerimento e o sobrestamento dos
processos minerários não serem, por si sós, exploração minerária, são os
primeiros de uma série de atos que, ao final, poderão resultar na autorização
de lavra minerária ou garimpeira, observam os procuradores da República nas
ações.
“Além da pressão
(lobby) pela relativização da proteção legal conferida às terras indígenas e de
os requerimentos serem utilizados para conferir aparente legitimidade à
atividade ilegal, o direito de preferência retira a possibilidade de os
próprios ‘superficiários’ (indígenas) terem prioridade na exploração; de
participarem, por exemplo, da escolha dos
permissionários/autorizados/concessionários dos processos minerários de acordo
com histórico de boas práticas junto a comunidades locais; e convalidam a
enorme concentração de processos minerários nas mãos de pouquíssimos titulares”.
Em relação a esse
tema, o estudo do ISA apontou que os 2.266 processos minerários sobrepostos a
terras indígenas no Pará estão na mão de apenas 495 titulares. “A concentração
de processos minerários nas mãos de poucos titulares representa monopólio,
reforça a existência do lobby exercido por grupos econômicos capitalizados com
grande poder de pressão política, e estimula a especulação e comercialização de
títulos minerários (muitos dos requerimentos são feitos por pessoas físicas,
sem qualquer demonstração de capacidade técnica para realizar a lavra
minerária)”.
Terras Indígenas citadas nas ações | Municípios onde estão localizadas |
Alto Rio Guamá | Garrafão do Norte (PA), Nova Esperança do Piriá (PA), Paragominas (PA), Viseu (PA) e Santa Luzia do Pará (PA) |
Alto Turiaçú | Araguanã (MA), Centro do Guilherme (MA), Centro Novo do Maranhão (MA), Maranhãozinho (MA), Nova Olinda do Maranhão (MA), Paragominas (PA), Santa Luzia do Paruá (MA), e Zé Doca (MA) |
Anambé | Moju (PA) |
Andirá-Marau | Aveiro (PA), Barreirinha (AM), Itaituba (PA), Juruti (PA), Maués (AM), e Parintins (AM) |
Apyterewa | São Félix do Xingu (PA) |
Arara | Altamira (PA), Brasil Novo (PA), Medicilândia (PA) e Uruará (PA) |
Arara da Volta Grande do Xingu | Senador José Porfírio (PA) |
Araweté/Igarapé Ipixuna | Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA) e Senador José Porfírio (PA) |
Badjônkôre | Cumaru do Norte (PA) e São Félix do Xingu (PA) |
Barreirinha | Paragominas (PA) |
Baú | Altamira (PA) |
Bragança-Marituba | Belterra (PA) |
Cachoeira Seca do Iriri | Altamira (PA), Placas (PA), e Uruará (PA) |
Cobra Grande | Santarém (PA) |
Juruna do Km 17 | Altamira (PA) |
Karajá Santana do Araguaia | Santa Maria das Barreiras (PA) |
Kararaô | Altamira (PA) |
Katxuyana-Tunayana | Oriximiná (PA) |
Kayabi | Apiacás (MT) e Jacareacanga (PA) |
Kayapó | Cumaru do Norte (PA), Ourilândia do Norte (PA), São Félix do Xingu (PA) e Tucumã (PA) |
Koatinemo | Altamira (PA) e Senador José Porfírio (PA) |
Kuruáya | Altamira (PA) |
Las Casas | Floresta do Araguaia (PA) e Pau D’arco (PA) |
Mãe Maria | Bom Jesus do Tocantins (PA) |
Maracaxi | Aurora do Pará (PA) |
Maranduba | Araguacema (TO) e Santa Maria das Barreiras (PA) |
Maró | Santarém (PA) |
Menkragnoti | Altamira (PA), Matupá (MT), Peixoto de Azevedo (MT), e São Félix do Xingu (PA) |
Mundurucu | Itaituba (PA) e Jacareacanga (PA) |
Munduruku-Takuara | Belterra (PA) |
Nhamundá-Mapuera | Faro (PA), Nhamundá (AM), Oriximiná (PA) e Urucará (AM) |
Nova Jacundá | Rondon do Pará (PA) |
Panará | Altamira (PA), Matupá (MT) e Peixoto de Azevedo (MT) |
Paquiçamba | Vitória do Xingu (PA) |
Paquiçamba (reestudo) | Anapu (PA), Senador José Porfírio (PA) e Vitória do Xingu (PA) |
Parakanã | Itupriranga (PA), Jacundá (PA), e Tucuruí (PA) |
Parque Indígena do Tumucumaque | Alenquer (PA), Almeirim (PA), Laranjal do Jari (AP), Óbidos (PA), e Oriximiná (PA) |
Rio Paru D’Este | Alenquer (PA), Almeirim (PA), e Monte Alegre (PA) |
Sai Cinza | Jacareacanga (PA) |
Saruá | Ipixuna do Pará (PA) |
Sawré Muybu | Itaituba (PA) e Trairão (PA) |
Sororó | Brejo Grande do Araguaia (PA), Marabá (PA), São Domingos do Araguaia (PA), e São Geraldo do Araguaia (PA) |
Tembé | Tomé-Açu (PA) |
Trincheira/Bacajá | Altamira (PA), Anapu (PA), São Félix do Xingu (PA) e Senador José Porfírio (PA) |
Trocará | Tucuruí (PA) |
Trombetas-Mapuera | Caroebe (RR), Faro (PA), Nhamundá (AM), Oriximiná (PA), São João da Baliza (RR) e Urucará (AM) |
Turé-Mariquita I | Tomé-Açu (PA) |
Turé-Mariquita II | Tomé-Açu (PA) |
Tuwa Apekuokawera | Marabá (PA), São Geraldo do Araguaia (PA) |
Xikrin do Cateté | Água Azul do Norte (PA), Marabá (PA) e Paraupebas (PA) |
Xipaya | Altamira (PA) |
Zo’é | Óbidos (PA) |
Nenhum comentário:
Postar um comentário