Recuperado: ex-combatente da Segunda Guerra Mundial Ermando Armelino Piveta, de 99 anos, que recebeu alta do Hospital das Forças Armadas, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters) |
Mais de 1,5 milhão
de pessoas em todo o mundo já podem ser consideradas recuperadas da covid-19,
doença que se espalhou por mais de 180 países de todos os continentes e foi
declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março.
A infecção causada pelo coronavírus Sars-CoV-2 já contagiou mais de 4 milhões
de pessoas no planeta, e, como a letalidade do vírus não está entre as mais
elevadas de que se tem notícia, boa parte desse grupo vai se juntar aos
recuperados nas próximas semanas.
Um exemplo desse
provável movimento nos números é a China, país que registrou em dezembro os
primeiros casos da doença na cidade de Wuhan. O país, de quase 1,4 bilhão de
habitantes, adotou medidas severas de confinamento e informa que conteve a
epidemia em um patamar estabilizado de 84 mil casos. Desde o pico da
transmissão na China, entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, os
registros diários de casos foram reduzidos a menos de 100 por dia, com raras
exceções. Com o crescimento do número de recuperados e a desaceleração das
novas infecções, o país hoje soma cerca de 79,2 mil curados e 4,6 mil mortes,
em um universo de 84 mil casos informados pelas autoridades sanitárias do país.
Muitos países, no
entanto, ainda registram um número alto de novos casos todos os dias, o que faz
com que o total de casos confirmados da doença ainda seja mais que o dobro do
de recuperados. O Brasil é um dos países nessa situação, com mais de 188 mil
casos confirmados e cerca de 79 mil recuperados. Como os quadros leves de
infecção costumam durar 14 dias após o início dos sintomas, uma parte
considerável da alta diária de casos entra na conta dos casos recuperados
alguns dias depois.
Mas quando alguém pode ser
considerado recuperado de covid-19?
Contagem de recuperados
A OMS considera, no
caso dos doentes confirmados por critério laboratorial, que estão recuperados
aqueles que tiveram dois resultados negativos para SARS-CoV-2 com pelo menos um
dia de intervalo. Já nos casos leves de covid-19, a OMS estima que o tempo
entre o início da infecção e a recuperação dure até 14 dias.
O Ministério da
Saúde informa que, no caso do Brasil, o número de recuperados considera os dois
critérios da OMS. De um lado, entram na conta pacientes com infecções mais
graves que foram internados e passam por novos testes para identificar se o
vírus continua ativo no organismo. Do outro, estão os pacientes com casos
leves, que entram na conta de recuperados quando não apresentam mais os
sintomas após 14 dias do início da infecção.
As autoridades
sanitárias do país consideram que ainda estão em acompanhamento todos os casos
notificados pelas secretarias estaduais de Saúde nos últimos 14 dias que não
evoluíram para óbito. Além disso, há os pacientes hospitalizados por síndrome
respiratória aguda grave (SRAG) que foram internados nos últimos 14 dias e não
tiveram registro de alta ou óbito no Sistema de Vigilância Epidemiológica de
Gripe (SIVEP Gripe).
Sintomas pós-alta
Para grande parte
desses recuperados, os sintomas da covid-19 terão ficado no passado. Mas, para
uma parcela deles, ainda será preciso acompanhamento profissional. É o que
explica a pneumologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Patrícia Canto.
“Pacientes que
tiveram poucos sintomas, com um quadro parecido com um resfriado ou uma gripe,
se recuperam bem e não costumam ter nenhum problema depois desses 14 dias”,
explica. “Os pacientes com quadro mais moderado não saem dos 14 dias e voltam ao
normal. Eles têm recebido alta e procurado os serviços de saúde novamente,
ainda em recuperação, muitos com uma sensação de cansaço, ainda sem conseguir
voltar às suas atividades normais. Muitos ainda apresentam falta de ar.”
A pneumologista
explica que os casos moderados são aqueles em que houve internação sem a
necessidade de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI). “O que eu tenho
visto, acompanhando pacientes nessa fase pós-alta, são pacientes ainda muito
cansados, com relatos de falta de ar ainda. Principalmente os que já tinham
asma ou alguma doença pulmonar.”
A comunidade científica ainda busca
respostas sobre a duração dessas limitações pós-internação, já que a pandemia
ainda é recente. “Relatos da China indicam que pessoas saíram de alta com algum
grau de fibrose pulmonar, com cicatrizes. A gente não sabe se isso é definitivo
e em que grau isso vai comprometer a capacidade respiratória das pessoas.”
As consequências mais sérias têm sido observadas em pacientes
que desenvolvem os quadros graves da covid-19. Nesse caso, as complicações
muitas vezes vão além do pulmão durante a internação, com insuficiência renal e
problemas de coagulação.
“Esses vão ter um período muito mais longo de recuperação”,
conta ela. Como o tempo de internação em UTI pode chegar a semanas, a
necessidade de fisioterapia respiratória e motora tem sido frequente,
principalmente para pacientes idosos.
O ataque do coronavírus a outros órgãos, em alguns casos, leva
os pacientes graves à UTI antes mesmo da necessidade de ventilação mecânica, e
a recuperação dessas partes do corpo vai demandar acompanhamento especializado
após a alta.
Resposta autoimune
Apesar de a pneumonia viral ser a complicação mais comum dos
casos graves de covid-19, a ação disseminada do vírus no organismo tem sido
observada por médicos e cientistas, e ainda não se tem certeza absoluta se o
que determina essas complicações é o ataque direto do vírus ou uma resposta
exagerada do sistema imunológico.
“Há pacientes agravando com uma resposta imunológica muito
exacerbada. O próprio sistema imune começa a trabalhar de uma forma
descontrolada, e muitas dessas lesões podem ocorrer por conta dessa resposta
inflamatória que o vírus desencadeia”, pondera a pneumologista, que exemplifica
que esses problemas podem chegar a órgãos como o cérebro e o coração.
Monitoramento
A pneumologista aconselha que os pacientes recuperados que
continuem apresentando sintomas como cansaço busquem o serviço de saúde para
acompanhamento médico. O retorno às atividades deve ser cuidadoso, e a prática
de exercícios físicos, por exemplo, deve ser retomada de forma gradual, caso
não haja mais sintomas respiratórios.
“Se o Messi torce o pé e fica quatro semanas sem jogar, quando
ele volta, ele não vai jogar os dois tempos. Ele entrar nos 10 minutos finais
de um jogo já ganho. É por aí”, compara ela, que pede que o distanciamento
social e os cuidados de higiene continuem, porque não há garantias de que
pacientes já infectados possam ser considerados imunes à doença. “Permaneça na
sua casa”, aconselha.
Com o crescimento do número de recuperados, a pneumologista
acredita que o acompanhamento desse grupo vai gerar uma nova pressão por
serviços de saúde que precisa ser observada pelos gestores da área.
“A gente vê que muitos desses recuperados são pessoas ainda com
algumas sequelas e sintomas, ainda que a gente não possa ter certeza de por
quanto tempo elas terão esses sintomas. Veremos um aumento da demanda”,
concluiu.
Fonte: Agência Brasil
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