O Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF1), em Brasília, ordenou hoje a suspensão da licença de instalação
da usina de Belo Monte. Com a suspensão, ficam paralisadas todas as obras da
hidrelétrica que está sendo construída no rio Xingu e que tinha previsão para
conclusão em 2019.
A ordem é consequência de uma
decisão da 5ª Turma Ampliada do Tribunal e a licença permanecerá suspensa até
que seja promovida pela Norte Energia S/A a readequação dos projetos destinados
ao reassentamento urbano coletivo de pessoas despejadas de suas casas pela
construção da hidrelétrica. A decisão atende a pedido feito pelo Ministério
Público Federal (MPF) em ação que se iniciou em 2015, no início da construção
das casas.
A turma ampliada (com cinco
desembargadores em vez dos três da turma recursal normal) é uma instância
adicional de decisão criada pelo Código de Processo Civil em vigor, que prevê a
confirmação de uma decisão toda vez que ela não for unânime. Nesse caso, a
turma considerou que não deveria julgar o caso e apenas confirmou a decisão
anterior.
No processo que trata das casas
dos atingidos por Belo Monte, em julgamento que ocorreu no último dia 31 de
maio, por dois votos a um, a 5a Turma ordenou: a suspensão da licença de
instalação da usina, a adequação do projeto destinado ao reassentamento aos
padrões mínimos definidos em lei e nas normas técnicas e a readequação do
cronograma estipulado para o cumprimento da condicionante. Hoje (13), a ordem
foi confirmada e entra em vigor. Ainda cabem recursos.
Dificuldades - Os problemas com
as casas oferecidas aos atingidos por Belo Monte começaram antes mesmo da
construção. Em 2012 a Norte Energia distribuiu milhares de folhetos em Altamira
em que prometia três tipos de casas com tamanhos diferentes (60m2, 69m2 e 78m2)
de acordo com o tamanho da família que fosse deslocada. Mas, em abril de 2013,
sem discussão com a população atingida, outro folheto foi distribuído em que a
empresa avisou que todas as casas seriam do mesmo tamanho, 63m2. O folheto
trazia ainda a informação de que as casas seriam feitas em concreto
pré-moldado, em vez de alvenaria como havia sido anunciado.
A licença de Belo Monte também
previa distância máxima de 2 quilômetros entre o local de reassentamento e as
moradias originais dos atingidos, o que o próprio Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente (Ibama) reconheceu que não foi respeitado. Com isso, os atingidos
ficaram excessivamente distantes de locais de trabalho e estudo e sem opções
para se locomover, já que a cidade de Altamira não tem sistema de transporte
público. Muitos já venderam as casas por causa dessa condição. Outros tiveram
que sair por causa da fragilidade das construções, feitas em concreto
pré-moldado.
Nas casas construídas pela Norte
Energia em Altamira, os moradores não podem instalar redes de dormir, um hábito
arraigado em toda a população amazônica. Em visita a um dos locais de
reassentamento em maio deste ano, o procurador Felício Pontes Jr, que atua no
caso no TRF1, constatou rachaduras e buracos nas casas, alguns provocados pelo
simples ato de tentar instalar, com uma furadeira, uma escápula para uma rede.
Ao investigar as mudanças, o MPF
descobriu que, além da frustração da expectativa dos atingidos, as casas
propostas pela Norte Energia violavam o Código de Obras do município de
Altamira. Em vez de exigir a solução dos problemas, no entanto, a prefeitura da
cidade enviou e a Câmara de Vereadores aprovou a alteração do Código para
adequá-lo aos projetos da Norte Energia. Para o MPF, a mudança operada com
rapidez pela prefeitura e vereadores é inconstitucional.
Dentre as contrariedades ao
Código de Obras do Município de Altamira, em sua redação original, constam, por
exemplo, a irregular espessura da parede interna, a altura do revestimento da
cozinha, bem como sua indevida comunicação direta com as instalações
sanitárias, e, ainda, as dimensões mínimas de cômodos das casas em construção.
As irregularidades foram reconhecidas pela própria Secretaria de Obras de
Altamira em ofício ao MPF.
“O legislador não pode, em se
tratando de direito fundamental, como é a moradia, retroceder em direitos já
garantidos. Nesse rumo, a alteração do código de obras, que reduziu o tamanho
dos cômodos e afrouxou exigências de conforto, não pode prevalecer”, diz o MPF
em documento enviado aos desembargadores do TRF1 que julgaram o caso, assinado
pelos procuradores regionais da República Marcus da Penha Souza Lima e Felício
Pontes Jr.
Questionado pelo MPF durante as
investigações do caso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), responsável
pelo licenciamento da usina de Belo Monte, se esquivou de cobrar o cumprimento
das normas técnicas e de conforto previstas para as moradias em Altamira.
Afirmou não ter responsabilidade quanto à fiscalização da regularidade das
obras das casas. “É evidente que possui. E não se trata apenas de
descumprimento da legislação municipal. O descumprimento das condicionantes
impõe sua atuação por meio da suspensão ou cancelamento das licenças, previstas
em normas ambientais e norma específica da Licença de Instalação”, dizem os
procuradores.
De acordo com a decisão da 5a
Turma, confirmada no julgamento de hoje, agora o Ibama terá que suspender a
licença e rever todos os problemas do reassentamento dos atingidos. A Norte
Energia S.A precisará readequar o cronograma de cumprimento da condicionante
imposta pela licença. Até cumprir todas as medidas determinadas, a usina de
Belo Monte fica impedida de prosseguir com as obras.
Pela decisão, os atingidos têm o
direito de acessar condições de moradia superiores àquelas de que dispunham
antes do empreendimento. Para o MPF, o reassentamento dos atingidos não é uma
relação de consumo, nem um ato de benemerência do empreendedor, mas uma
recomposição de danos provocados pelo empreendimento.
Fonte: MPF/PA
Foto: Xingu220 (área de onde famílias foram retiradas).
Foto: Xingu220 (área de onde famílias foram retiradas).
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