"Verba
volant, scripta manent".
Por
isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e
de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio. Esta é uma carta
pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde
logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha
lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos. Lealdade institucional
pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice.
A minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto,
sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em
relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para
manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo. Basta ressaltar que na
última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso
registrar, por que era eu o candidato à reeleição a Vice.
Tenho
mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que
tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.
Isso
tudo não gerou confiança em mim, gera desconfiança e menosprezo do
governo.
Vamos
aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1.
Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe
disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter
sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB
e as crises políticas.
2.
Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou
políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
3.
A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da
Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a
Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto,
desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4.
No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão
de muitas "desfeitas", culminando com o que o governo fez a ele,
Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele,
Ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se
a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta
"conspiração".
5.
Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no
momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o
Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos
trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando
se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os
acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60
reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa
credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6.
De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me
chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma
comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a
senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em
eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim
ligado.
7.
Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o
fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida
provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do
PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado
por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em
duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio
resolveu difundir e criticar.
8.
Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o
Vice-Presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem convidar-me o
que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com
o Vice-Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes,
no episódio da "espionagem" americana, quando as conversar começaram
a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o
Vice-Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de
confiança;
9.
Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi
divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10.
Até o programa "Uma Ponte para o Futuro", aplaudido pela sociedade,
cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a
confiança foi tido como manobra desleal.
11.
PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que
já tentou no passado, sem sucesso.
A
senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silêncio com o
objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados
estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para
crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente,
sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não
terá amanhã.
Lamento,
mas esta é a minha convicção. Respeitosamente, / L TEMER À Sua Excelência a
Senhora Doutora DILMA ROUSSEFF. Presidente da República do Brasil Palácio do
Planalto Brasília, D.F.
Fonte: MSN/O Estadão
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