Pescador, ajudante de pedreiro, braçal e pintor de parede, um civil a serviço da Marinha do Brasil por muitos anos, Ofir Vieira, completou 100 anos ontem. A família iniciou a festa em sua homenagem com uma missa em ação de graças, celebrada às 18h na Basílica de Nazaré, mas a comemoração prossegue hoje, a partir do meio-dia, no local que Ofir desejou, o salão do Clube dos Oficiais da Polícia Militar, em Ananindeua, ao lado de seus 10 filhos, 25 netos, 18 bisnetos, quatro tataranetos, cinco genros e três noras.
Foi ele também quem escolheu o cardápio, um churrasco completo, com direito a um discurso que fez questão de incluir. Os passos lentos e o corpo meio curvado não deixam transparecer a memória apreciável. Ele conta, lúcido, que nasceu em Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó, filho de gente pobre, e que teve cinco irmãos, todos já falecidos. Em sua infância enfrentou o frio nos rios marajoaras e pegou muita chuva, tantas que até hoje não gosta muito delas.
Mudou-se para Belém ainda bem jovem e se engajou, como civil, na Marinha, fazendo de quase tudo um pouco. “Eu era capataz dos quarteleiros dos oficiais norte-americanos’’, afirmou Vieira, referindo-se à chefia que exerceu do grupo organizado de trabalhadores que auxliavam os militares estrangeiros que estiveram em Belém durante a II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945.
Segundo a filha caçula de Ofir, a socióloga Nazaré Vieira, de 50 anos, ele conta que lavou a roupa do soldados, pessoas jovens que nunca mais voltavam porque morriam em combate. “Eu conhecia e depois não via nunca mais’’, comentou o trabalhador marajoara.
‘’O que dizer sobre meu pai? Quer aprender da vida, cola nele’’, afirmou Nazaré, carinhosamente chamada de Naná. “Meu pai sempre foi brabo, mas nunca tocou um dedo em mim. Era ríspido, mas solidário também com todos que batiam em nossa porta. Um homem que passou por duas guerras mundiais, pela ditadura brasileira, tempos difíceis e está aí com vida, firme. O que posso dizer? Só que o amo muito, demais”.
Até hoje, Ofir não dorme sem antes checar os portões da casa, a válvula do botijão de gás, na cozinha, e as vasilhas de água e ração do cachorro, um antigo companheiro. Sabe de cor e salteado os horários de seus remédios - para combater a artrose -, da esposa Severina, de 96 anos, e ainda do filho caçula, Franklin, que tem síndrome de Down. “É lógico, que a gente não deixa as coisas nas mãos dele, mas quando a gente vê, lá este ele: Franklin, vem tomar teu remédio”, contou Nazaré.
Neste sábado, os Vieiras prestarão reverência ao patriarca da família, que criou, educou e formou professoras, uma socióloga e uma educadora física. Entre os filhos homens, há marinheiros também. “É uma vida em paz, com respeito, ao lado da minha esposa Severina, com saúde, perto da família e de meus amigos’’, definiu Ofir.
A filha mais velha, Maria Laudelina, de 72 anos, chamada de Ladica, diz que a festa é do pai, mas a mãe é quem será surpreendida. Dona Severina só saberá neste sábado, momentos antes do almoço, que vai usar um vestido vermelho, muito parecido com o que ela trajava quando Ofir a conheceu. “Eu fui fazer ciúme pra uma namorada, com ela, e me apaixonei pela Severina’’, disse ele às filhas, pedindo que fizessem um vestido vermelho para a esposa, para que pudesse dançar hoje com sua eterna dama de vermelho.
Fonte: ORM
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