A
Corte Especial do Tribunal apreciou suspensão de segurança que
favorecia a usina e, em decisão inédita, resolveu manter
paralisação da usina até que seja obedecida regra da licença
ambiental.
Em
dezembro de 2015, relatório fotográfico do MPF registrou esgoto a
céu aberto por toda Altamira (créditos: MPF/PA)
O
Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1), em Brasília, decidiu
ontem manter suspensa a operação da usina de Belo Monte até que
esteja em funcionamento o sistema de água e esgoto de Altamira,
condição de viabilidade da usina que, depois de cinco anos do
início das obras, continua sendo negligenciada pela Norte Energia,
dona do empreendimento e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
(Ibama), que impôs as condições da licença ambiental mas permite
que a hidrelétrica prossiga normalmente sem cumpri-las.
A
decisão foi tomada na Corte Especial do Tribunal, órgão que reúne
normalmente 19 desembargadores para analisar decisões como a
suspensão de segurança, um tipo de recurso que é decidido
solitariamente (monocraticamente, no jargão jurídico) pelo
presidente do TRF1. No que pode ser considerada uma reviravolta, os
desembargadores presentes à sessão (14 deles), por nove votos a
cinco, decidiram que não se justificava a continuidade da operação
da usina, derrubando a suspensão concedida pelo presidente do
Tribunal, Hilton Queiroz em favor de Belo Monte.
A
maioria acompanhou os votos divergentes dos desembargadores Souza
Prudente e Jirair Meguerian, que consideraram que a usina
provavelmente não terá sequer linhões para escoar a energia quando
estiver concluída, em 2019 e que, portanto, não cabem as alegações
de risco de faltar energia no país. Belo Monte não está gerando e
possivelmente não gerará energia para o sistema nacional de
abastecimento pelo menos pelos próximos 2 anos.
“Há
tempo suficiente para que sejam cumpridas as condicionantes e não há
argumento para insistir na desassistência dos atingidos. A
necessidade de energia do país não pode mais ser desculpa para
vitimar a população de Altamira”, disse Raquel Branquinho,
procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República da 1a
Região, que sustentou a posição do MPF perante o Tribunal. Pelo
que foi decidido, as obras da usina podem continuar, mas a operação
das turbinas precisa ser paralisada até que o sistema de água e
esgoto da cidade onde fica o reservatório de Belo Monte esteja
funcionando.
“O
mais importante, na decisão da corte, é que as obras do saneamento
básico de Altamira devem passar a ser tratadas com a mesma
prioridade que as obras da hidrelétrica. Os atingidos por Belo Monte
precisam ter seus direitos respeitados tanto quanto a necessidade
alegada de energia elétrica”, lembrou Thais Santi, procuradora da
República que atua no médio Xingu. Mesmo com a suspensão de
segurança em vigor, o TRF1 já tinha decidido anteriormente manter a
multa contra a Norte Energia pelo atraso na entrega do saneamento da
cidade. Desde 30 de setembro de 2016, a empresa está sendo multada
em R$ 40 mil por cada dia de atraso.
As
obras para o cumprimento da condicionante do saneamento atrasaram
muito e quando foram realizadas, a Norte Energia travou um
cabo-guerra, alegando que a prefeitura de Altamira e o governo do
Pará deveriam arcar com os custos das ligações da rede de esgoto
às residências da cidade. Como resultado da disputa, apesar do
sistema de saneamento estar parcialmente pronto nenhuma ligação
tinha sido feita até a emissão da licença de operação da usina
pelo Ibama, no dia 25 de novembro de 2015.
“O
saneamento não é uma melhoria dada de presente pela empresa à
cidade. É uma condição muito importante para a viabilidade
ambiental de Belo Monte, pelo risco não só de eutrofização, ou
apodrecimento, das águas do reservatório da usina, como também de
degradação da qualidade da água consumida pelos cidadãos
altamirenses”, explicou o procurador da República Higor Pessoa,
responsável pela investigação que iniciou o processo judicial
sobre o saneamento de Altamira.
Uma
crítica antiga sobre o empreendimento de Belo Monte é que o
andamento das obras de engenharia da usina é muito mais acelerado
que as obras destinadas a compensar e mitigar os impactos sobre os
atingidos. O descompasso faz inclusive com que os impactos sejam mais
graves do que o previsto. “Como resultado, existe um passivo de
injustiças em Altamira e na região do médio Xingu, que vem sendo
inteiramente suportado pelos atingidos. As promessas feitas quando a
usina estava no papel se transformaram em irregularidades flagrantes,
em retirada de pessoas de suas casas, insegurança alimentar,
problemas de saúde pública”, lembra o procurador da República
Ubiratan Cazetta.
O
MPF aponta no processo judicial o risco de colapso sanitário se Belo
Monte entrar em pleno funcionamento sem o saneamento completo de
Altamira. O perigo à saúde pública é grave: o reservatório em
que o Xingu foi transformado, em frente à cidade, pode ser
contaminado pelas fossas precárias e pelo esgoto a céu aberto que
deveriam ter sido substituídos antes da usina ficar pronta.
O
recurso da suspensão de segurança, que tem como característica
principal não tratar do mérito do processo judicial, mas ser
aplicável em caso de ameaça à ordem, segurança, saúde ou
economia públicas. O recurso sempre é analisado por presidentes de
tribunais monocraticamente e depois submetidos aos pares em
julgamentos como os de ontem. E quando a suspensão de segurança é
mantida pelos membros do tribunal, fica em vigor até o fim do
processo judicial, o que torna praticamente vãos os esforços para
obrigar o cumprimento das licenças ambientais.
Existe
até uma teoria, a do fato consumado, que explica o efeito causado
pelas supensões de segurança quando aplicadas ao licenciamento
ambiental de empreendimentos de grande impacto: a suspensão dos
processos judiciais permite que as obras andem e quando a justiça
finalmente decide corrigir a irregularidade, quase sempre é tarde
demais. Esse recurso se tornou corriqueiro nos processos judiciais
que tratam de grandes barragens nos rios amazônicos. Levantamento
preliminar do MPF mostra que, nos casos das usinas no Tapajós, Teles
Pires e Xingu, o recurso da suspensão foi manejado 23 vezes pelo
governo federal.
As
alegações dos pedidos de suspensão de segurança feitos pelo
governo brasileiro nunca mencionam as consequências dos seguidos
descumprimentos das licenças ambientais, apenas falam dos riscos à
economia pública, por causa da ameaça de um possível apagão em
caso de paralisação de Belo Monte. Com a derrubada dessas alegações
pelo TRF1, o projeto de Belo Monte terá que, finalmente, cumprir as
regras do licenciamento ambiental.
O
que, pela primeira vez, o MPF conseguiu demonstrar, foi a falácia do
argumento da economia pública e do risco de apagão. A usina de Belo
Monte só estará concluída em 2019 e, pelo andamento atual, nenhum
dos linhões que devem escoar a energia da usina estará pronto até
lá – foram previstos quatro linhões, licitados até o momento
dois e apenas um está em construção, com grande atraso nas obras.
“O que poderia justificar, então, atrasar as obras de compensação
e mitigação para adiantar as obras da usina?,” questiona o
procurador Felício Pontes Júnior, que acompanha o licenciamento de
Belo Monte desde 2001.
A
Norte Energia e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) que
são réus no processo, ainda podem recorrer no Superior Tribunal de
Justiça (STJ) ou no próprio TRF da 1a Região, mas a decisão de
ontem marca uma reviravolta nas disputas judiciais que cercam as
obras de usinas hidrelétricas na Amazônia. Pela primeira vez em um
tribunal brasileiro, a maioria dos julgadores entendeu a importância
de cobrar com rigor o cumprimento de licenças ambientais.
Fonte:
Ministério Público Federal no Pará
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