A unidade da Defensoria Pública da União (DPU) que está em Altamira (PA)
para atender às famílias atingidas pela construção da Usina de Belo Monte tem
atualmente em análise cerca de 700 casos de pedidos de reassentamento ou
indenização de pessoas que tiveram de deixar suas moradias. Segundo o
defensor-chefe da unidade, Walber Rondon Ribeiro Filho, a maioria dos casos é
de famílias que não têm a documentação necessária para comprovar o direito a
receber algum benefício.
“Aqui existe uma condição de vida que é peculiar, as pessoas têm muito
pouco registro de sua história de vida: documentação de que viveu naquele lugar
em determinado período, documentação sobre renda. As relações familiares também
são bem peculiares, existe uma coisa diferenciada de a pessoa ter filhos com
um, dois ou três companheiros e as relações se misturam em uma única casa.
Então, hoje temos mais dificuldades até para judicializar as questões e
instrumentalizar com o mínimo de documentação, de verossimilhança daquilo que
as pessoas alegam”, diz o defensor.
Desses 700 casos pendentes referentes a pedidos de reassentamento
urbano, cerca de 200 casos resultaram em ações judiciais movidas pela DPU. Em
alguns casos, são feitas negociações individuais entre as famílias e a Norte
Energia, empresa responsável pela usina, com mediação da defensoria. Mas o trâmite
na Justiça é lento, porque só há um juiz federal na cidade. “A Justiça local
está muito defasada. A lentidão do judiciário é o maior empecilho para esses
casos se resolverem mais rápido”.
A Norte Energia diz que as negociações com as famílias já foram
encerradas, mas a empresa analisa situações específicas por solicitação de
algum grupo familiar ou da Defensoria Pública da União. Segundo a empresa,
foram atendidas 7.405 famílias na área urbana e 2.518 famílias na área rural,
totalizando 9.923 famílias reassentadas ou indenizadas.
O defensor considera que alguns critérios utilizados para definir as
famílias elegíveis a receber algum benefício por terem sido deslocadas de suas
moradias são discutíveis. “Por exemplo, uma unidade habitacional onde existiam
dois núcleos familiares, a gente entende que cada um deve receber uma unidade
habitacional nova. Mas, pelos critérios definidos no PBA [Projeto Básico
Ambiental], que a gente discute, se aquela unidade familiar não demonstrar que
tinha renda, que estava definida nos moldes tradicionais, eles não reconhecem
como uma unidade familiar autônoma. Ou no caso de uma mãe que se separou e está
com o seu filho, isso para eles não forma uma unidade familiar. Nesse caso, tem
que judicializar”, diz Ribeiro Filho.
A Norte Energia diz que atende a todas as famílias
que se sentem preteridas ou prejudicadas, que tem o estudo feito
caso a caso, com análise de cadastro e documentos. “Quando não há consenso
quanto à demanda, há o recurso à esfera judicial”, diz a empresa, em nota.
Além dos casos de reassentamentos urbanos, a Defensoria Pública está
atendendo pescadores e ribeirinhos que tiveram que sair das ilhas do Rio Xingu
por causa da construção da usina. “O objetivo é retornar com aquelas famílias
que foram retiradas das ilhas, que têm o perfil de ribeirinha, com modo de vida
tradicional vinculado ao Rio Xingu, de retornar ao reservatório com condição de
permanência”, acrescenta Ribeiro Filho. O atendimento a essas famílias foi uma
exigência para que a empresa recebesse a Licença de Operação do empreendimento,
o que permite que ela possa começar a gerar energia comercialmente.
Segundo o defensor, atualmente 217 famílias ribeirinhas foram
classificadas como elegíveis para a negociação com a empresa. Neste momento, a
Norte Energia e as famílias estão negociando as condições de retorno das
famílias ao reservatório. “Por exemplo, uma pessoa que vivia em uma ilha, com
modo de vida tradicional vinculado ao Rio Xingu, que tirava seu sustento da
plantação de cacau, de hortaliças, dependendo do local que for oferecido para
essa família, pode não ser apta a devolver as condições que ela tinha. Da mesma
forma, para o pescador que vivia da pesca, e a depender do local que a empresa
vai ofertar para ele, não vai ser suficiente para recompor aquele modo
tradicional”, afirma o defensor.
De acordo com a Norte Energia, todas as famílias de ribeirinhos foram
atendidas com reassentamento ou indenização, mas algumas estão sendo
revisitadas para que possam optar pelo retorno às ilhas que restaram submersas
ou mesmo novas ilhas surgidas com a criação do reservatório da usina. A empresa
diz que vai construir dezenas de pontos de apoio para os pescadores exercerem
suas atividades.
No início do ano passado, a DPU se instalou provisoriamente em Altamira
para fazer o atendimento jurídico das
famílias que estavam sendo remanejadas por causa do empreendimento.
Mas, desde janeiro deste ano, os defensores estão em caráter permanente
na cidade, com sede própria. “A tendência é que a DPU não saia daqui nunca
mais, independentemente de Belo Monte”, diz o defensor. Em 2015, foram feitos
cerca de 1,4 mil pedidos de assessoria jurídica na DPU.
Fonte: Agência Brasil
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