O Ministério Público Federal (MPF) enviou hoje
uma recomendação ao governador do Pará, Helder Barbalho, e ao secretário
estadual de meio ambiente, Mauro Ó de Almeida, para que sejam suspensos todos
os processos de licenciamento ambiental de atividades com significativo
potencial de degradação ambiental na Volta Grande do Xingu, até que esteja
concluído o período de testes previsto para a região ou que se confirme a
capacidade dos ecossistemas locais de suportarem o desvio de água realizado
para a geração de energia da barragem de Belo Monte. O governo paraense tem
prazo de 20 dias para responder ao documento.
A
recomendação lembra que, a 300 km da barragem da Samarco, o povo indígena
Krenak passou anos sem acesso a água potável após o rompimento da estrutura, ocorrido
em novembro de 2015. A 600 km do acidente, os indígenas Tupinambá também foram
atingidos pela lama tóxica que atravessou toda a bacia do rio Doce. Esse foi um
dos pronunciamentos da Fundação Nacional do Índio ao desaconselhar a permissão
de instalação para a mineradora canadense Belo Sun, que tenta desde 2010 abrir
uma mina de ouro na Volta Grande do Xingu, a mesma região que sofre os maiores
impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte.
A
sobreposição com a usina é mencionada em outro parecer técnico que considera a
situação social e ambiental e os altos danos provocados pela construção da
hidrelétrica na região: em um documento enviado pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente (Ibama) ao MPF, o órgão ambiental federal diz “não ser desejável”
a instalação de qualquer empreendimento na região diante das incertezas sobre
as condições ecológicas da Volta Grande.
“Deste
modo, sob a ótica do licenciamento ambiental da UHE Belo Monte, manifesto o
entendimento de não ser desejável que atividades ou empreendimentos de
significativo impacto ambiental sejam implantados na Volta Grande do Xingu
antes da finalização do período de testes do Hidrograma de Consenso, previsto
na Licença Prévia nº 342/2010, Licença de Instalação nº 795/2011 e Licença de
Operação nº 1317/2015, sob pena de prejudicar a adequada gestão ambiental desta
região, a ser realizada por conta da operação da UHE Belo Monte”, diz o Ibama
no ofício 77/2018 da Diretoria de Licenciamento Ambiental.
Em
um dos processos que tramitam no judiciário contra a Belo Sun, a Justiça
Federal de Altamira deu sentença favorável ao MPF, determinando que o
licenciamento não pode prosseguir na Secretaria de Meio Ambiente e
Sustentabilidade do Pará (Semas) e enviando os pedidos da Belo Sun para o
Ibama. A empresa recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1a Região e o recurso
aguarda uma decisão da segunda instância. Enquanto aguarda o julgamento na 2a
instância, no entendimento do MPF, a Semas e o governo paraense devem tomar
medidas de cautela para proteger a Volta Grande, ainda que os órgãos federais
já tenham se pronunciado sobre a fragilidade da região.
O
período de testes do chamado hidrograma de consenso, previsto nas licenças de
Belo Monte, ainda nem começou. A previsão é que dure seis anos, a contar da
conclusão total das obras da usina, que deve ocorrer em dezembro de 2019.
Durante esse prazo, tanto Ibama, quanto Funai consideram que a instalação de
qualquer novo empreendimento na mesma região representa riscos ecológicos e
sociais muito altos. O MPF também realizou estudos técnicos que apontam para a
mesma conclusão.
O
projeto Belo Sun prevê a construção de uma barragem de rejeitos e uma pilha
estéril e, segundo a análise técnica do corpo de peritos do MPF, há risco real
de rompimento que exige “cautela excepcional”, principalmente pela
“potencialidade lesiva das substâncias armazenadas que, em contato com o curso
d’água de um rio interestadual, pode assumir consequências incalculáveis, em
especial no caso de estar o Xingu com a vazão reduzida”. Um rompimento de
barragem atingiria diretamente as comunidades da Volta Grande do Xingu, da Ilha
da Fazenda até as terras indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande.
Estudos
técnicos feitos por cientistas independentes também demonstram o risco alto de
que os ecossistemas da Volta Grande sejam dizimados com o desvio de água de
Belo Monte. O MPF já pediu ao Ibama que a licença ambiental da usina sofra
correções para evitar o que os cientistas chamam de “suicídio ecológico”, mas
ainda não recebeu respostas sobre os pareceres científicos. Os pareceres do
próprio Ibama que antecederam as licenças de Belo Monte concluíram que não
havia como ter certeza sobre a sobrevivência dos moradores, fauna e flora da
região após o desvio das águas.
“A
Volta Grande, mais do que um ambiente em monitoramento, é o epicentro das
incertezas de uma intervenção no rio Xingu, cuja análise de viabilidade
ambiental e econômica foi postergada para o período de operação da usina de
Belo Monte. E que o painel de especialistas formado para avaliar as condições
de aplicação do hidrograma previsto afirmou peremptoriamente os riscos de se
inviabilizar todas as formas de vida na região. E anuncia a possibilidade de um
suicídio ecológico”, diz o MPF no documento enviado ao governo do Pará.
É
nesse cenário que a empresa de capital canadense Belo Sun tenta instalar o que
dizem ser uma das maiores minas de ouro do país. Desde que pediram o
licenciamento em 2010, já foram processados seis vezes pelas autoridades
brasileiras: dois processos do MPF questionam a ausência de consulta aos
indígenas e a incompetência da Semas para o licenciamento; dois processos da
Defensoria Pública do Estado do PA apontam irregularidades fundiárias graves na
instalação da empresa, com despejos forçados de moradores e ausência de compensações
para comunidades ribeirinhas; uma quinta ação judicial foi iniciada na semana
passada pelo Ministério Público do Estado do Pará, que também considera a Semas
incompetente para licenciar o projeto e pediu que a Justiça Estadual reconheça
o fato e paralise o licenciamento; o sexto processo contra a Belo Sun tramita
na Justiça Federal de Altamira e foi iniciado pela Defensoria Pública da União,
questionando falhas nos estudos de impactos sobre os povos indígenas.
Ascom
– MPF/PA
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