Em sua primeira entrevista após assumir o cargo, o novo ministro da Saúde, o médico e deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), disse à Folha que, diante da restrição orçamentária, deve atrasar o repasse de recursos para hospitais e programas como o Farmácia Popular já em dezembro deste ano.
A previsão é que 50% da verba destinada para a área de média e alta complexidade, que abrange o atendimento em pronto-socorro e realização de cirurgias e exames, e que deveria ser paga no dia 10 de dezembro, seja paga apenas no início de janeiro.
Segundo Castro, o novo modelo de cálculo de financiamento da Saúde, aprovado neste ano pelo Congresso, deve trazer um deficit de ao menos R$ 7,5 bilhões em recursos para 2016. "O que hoje está ruim vai piorar."
Para obter recursos, o ministro defende a aprovação de uma nova CPMF compartilhada entre União, Estados e municípios –em uma proposta na qual os últimos, porém, teriam a arrecadação exclusivamente para a saúde.
Na entrevista, o ministro defendeu "intensificar" o Mais Médicos e disse que novos programas como o Mais Especialidades, bandeira de Dilma Rousseff na sua campanha, dependerão da liberação de recursos.
Alan Marques - 20.out.2015/Folhapress |
O ministro da Saúde, Marcelo Castro, durante evento sobre novo tratamento para Hepatite C no dia 20 |
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Folha - O senhor disse a secretários [estaduais de saúde] que não haverá recursos para pagar todos os serviços contratados neste ano.
Marcelo Castro - No ano passado isso já aconteceu. O pacote de ações de média e alta complexidade [como hospitais e Santas Casas] só foi pago 70% em dezembro e 30% no dia 2 de janeiro. Neste ano, não temos hoje dinheiro para pagar alguns serviços.
Quais serviços?
Estamos buscando alternativas para ver se a gente consegue pagar tudo este ano. Se não conseguirmos, não trará transtorno porque em janeiro nós pagaremos. A grande preocupação não é de quem está prestando o serviço, é do próprio ministério, porque vamos ter em 2016 um Orçamento menor. Se levarmos despesas deste ano para o próximo, vamos comprometer mais ainda o Orçamento.
Qual a previsão para o ano que vem? Faltará recursos?
O Orçamento está sendo construído ainda. O problema de 2016 é que, pela nossa sistemática que é a emenda constitucional 86 [orçamento impositivo, aprovado pelo Congresso neste ano e que mudou o financiamento da saúde] o governo está sendo obrigado a gastar em ações e serviços públicos de saúde, que são despesas obrigatórias, 13,2% das receitas correntes líquidas.
Isso dá um orçamento para a Saúde de R$ 100,2 bilhões. Se não tivesse essa regra e a gente aplicasse apenas a inflação do Orçamento deste ano para o do ano que vem, ele seria de R$ 107,7 bilhões. Essa regra nova já traz um deficit de R$ 7,5 bilhões. Se o Orçamento deste ano não tem dinheiro para pagar tudo, e se o do ano que vem é menor, como vai ser?
Nesse momento, não dá para pensar em programa novo ou aumentar despesas. Vamos manter o que está funcionando e não deixar de prestar serviços.
Ainda assim, pode haver cortes? A proposta enviada ao Congresso para 2016 também previa menos recursos para hospitais e Farmácia Popular.
Estamos conversando com a área econômica, com o relator do orçamento e Casa Civil. O argumento central é que um ministério que vai fazer uma obra física pode fazer em outro momento. O nosso não pode interromper os serviços que vem prestando. Temos certeza que a área econômica do governo vai ser sensível a isso. A saúde tem que ter atenção especial. Estamos tratando de vidas humanas. Os serviços já estão contratados. Não podemos chegar em outubro do ano que vem e dizer: parem o tratamento de câncer, as cirurgias e as hemodiálises e vamos recomeçar em janeiro.
E qual a solução?
Mais recursos. A área econômica tem uma proposta que é a CPMF. Ela é mais importante no momento para os Estados e municípios, principalmente para os municípios, que estão gastando além do mínimo constitucional porque são premidos pela demanda da sociedade. E entraria para melhorar a saúde. Há um consenso de que padecemos de dois problemas centrais na saúde: subfinanciamento e problemas de gestão, que envolve inclusive a má aplicação e o desvio de recursos. Está aí a CPI das órteses e próteses.
O senhor tem conversado com a presidente sobre a CMPF? Deve levar para a saúde? O Planalto já descarta que seja aprovada neste ano.
O que estamos argumentado junto à área econômica é que a CPMF proposta inicialmente para a Previdência vá para a seguridade social (saúde, previdência e assistência social), para União e Estados, e exclusivamente para a saúde para municípios.
Mas e se não passar? Há outras alternativas estudadas?
O governo não fecha suas contas sem aporte de recursos, sem mais impostos. Seja CPMF, CIDE (tributo cobrado sobre combustíveis), repatriação de recursos ou IOF. Prefeitos e governadores estão em crise absoluta, atrasando salários e gastando mais do que sua obrigação com saúde.
Quais devem ser as prioridades de sua gestão?
Racionalizar e priorizar serviços que tenham menor custo, sejam mais simples e tenham maior alcance. Vamos priorizar a atenção básica. E vamos também fazer ajustes no cartão SUS, de modo que o paciente possa levar seu prontuário para onde for. Isso vai ser integrado com secretarias de saúde e muito provavelmente com os planos de saúde. Também vamos investir na regionalização para desafogar os grandes centros. O ideal é que o paciente só saísse da região no caso de doenças mais graves que não ultrapassem 10% de todas as ações de saúde praticadas.
O Mais Médicos vai mudar? Cubanos devem continuar?
Vai ser intensificado. É um programa muito bem avaliado e de grande alcance social. O mais importante é que nenhuma comunidade fique sem a presença do médico. Se pudermos resolver isso com 100% de médicos brasileiros, salve. Se não, temos que buscar médicos, seja onde estiverem, dispostos a prestar esse serviço ao país.
Sem recursos, como fica o Mais Especialidades?
Ele já está concebido, mas não funciona ainda na prática. Vamos ver quando é que vamos ter recursos. Nossa prioridade no momento, com o ajuste fiscal que teremos que fazer, é manter funcionando o que já está funcionando.
FOLHA DE SÃO PAULO
NATÁLIA CANCIAN
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