O documentário
“Belo Monte – Depois da inundação”, do diretor Todd Southgate, que percorreu a
cidade de Altamira e parte do Rio Xingu para registrar como estão indígenas e
ribeirinhos após o enchimento do reservatório da Usina Hidrelétrica (UHE) de
Belo Monte, no início de 2016, teve sua pré-estreia na noite de ontem (9), na
capital paulista.
Após a exibição, um
debate contou com a presença dos indígenas Jailson Juruna, afetado pela
barragem de Belo Monte, e Edovaldo Datie Munduruku, que mora na região que
seria afetada pela construção da UHE São Luiz do Tapajós, no Rio Tapajós, ambas
no estado do Pará.
Todd Southgate
acompanhou o processo de construção de Belo Monte desde o começo e, em
entrevista, disse que foi um choque quando presenciou os impactos após a
inundação do reservatório. “Eu já estava filmando lá nos últimos sete ou oito
anos. A primeira que fiz um sobrevoo na barragem, com o reservatório todo
inundado. Foi um choque. Tudo o que você já viu, como estava a floresta, os
lugares que você conheceu os pescadores, está tudo embaixo d’água. Foi mais
pesado do que imaginava”.
Há 25 anos o
diretor produz documentários que dão voz a pessoas que sofrem pelo esquecimento
ou por serem ignoradas. “Comecei a documentar Belo Monte para levar esse
problema para outras partes do mundo. Minha missão é contar as histórias do
meio ambiente, dos problemas sociais. Gosto de ajudar dando voz para eles, que
historicamente não têm essa voz”, disse Todd.
O documentário
mostra os impactos para a população que mora e depende do Rio Xingu e para a
cidade de Altamira, que fica próxima a Belo Monte e abrigou os operários que trabalharam
na construção da usina. A estrutura do município não suportou a demanda
populacional atraída pelos empregos na obra. O filme mostra o aumento da
violência no trânsito, dos homicídios e a maior evidência da falta de
saneamento básico, além do número de pessoas afetadas pela obra, que é maior do
que o considerado pelos estudos prévios.
Afetados
pela barragem
As pessoas que não
precisaram ser deslocadas, mas sofrem com a menor vazão do rio, com a
diminuição dos peixes e com a falta de estrutura pública na cidade não são
consideradas afetadas. Jailson Juruna, que mora na aldeia Muratu, localizada
abaixo da barragem, não foi considerado um afetado pela construção de Belo
Monte.
No entanto, ele e
sua aldeia sofrem com os impactos. “Hoje, é crítica a situação do pessoal que
mora para o lado de baixo da barragem, porque a vazão do rio diminuiu muito.
Essas pessoas estão sofrendo muito porque, com a diminuição do rio, o peixe
também diminuiu. Teve uma mortandade de peixe muito grande abaixo do
barramento”, acrescentou.
O povo Juruna é
conhecido pela sua relação com as águas e pelo conhecimento do rio. O peixe do
Rio Xingu serve para alimentação e é também fonte de renda para os Jurunas.
Segundo Jailson, atualmente a quantidade de peixe não dá nem para sobrevivência
na aldeia. Os índios são obrigados a comprar comida na cidade. E, para ganhar
dinheiro, muitos deixam a aldeia e tentam empregos na cidade.
“O rio sempre foi
nossa mãe. Ele sempre nos deu o alimento e o transporte. Agora, não podemos
mais beber água do rio. Então, afetou de uma maneira que estamos deixando nossa
cultura de lado para se adaptar em outras que não temos costume.
De acordo com Tina
Minami, da campanha de Amazônia do Greenpeace, “é importante que a sociedade
debata o assunto que impacta a vida de todo mundo, especialmente dos povos que
estão vivendo em áreas que podem ser construídas hidrelétricas, como Belo
Monte”.
“Cinco anos depois
[do início das obras], vimos como está a situação de Altamira. A maioria das
condicionantes não foi cumprida e a obra seguiu. Hoje temos Belo Monte
operando, com impactos na vida de todo mundo. É importante usar vários canais
de comunicação para que a sociedade debata essa questão. A sociedade brasileira
precisa participar dessas decisões”, afirmou Tina, referindo-se aos modelos
para geração de energia no país.
Rio
Tapajós
Para o povo
Munduruku, que mora na região do médio Tapajós, após muita luta contra a
construção de uma usina hidrelétrica em seu território, já houve uma conquista:
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) arquivou, em agosto deste ano, o processo de licenciamento ambiental
para construção da Usina São Luiz do Tapajós.
Pouco tempo depois,
o governo federal anunciou que não levaria o projeto adiante, pelo menos por
enquanto. O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse na
ocasião que a ideia da construção da usina ficaria suspensa e os estudos
ambientais já realizados ficariam à disposição do país para outro momento.
Apesar disso, os
Munduruku lutam pela demarcação do seu território, chamado de Sawré-muybu, de
modo que não sejam retirados de sua aldeia. Para Edovaldo, sem a demarcação a
realidade da construção da hidrelétrica se aproximou muito da aldeia.
“Os não-índios
dizem que a gente não tem nenhuma garantia, porque não temos nada escrito. Mas
repetimos para eles que somos antes de Pedro Álvares Cabral. Mesmo que eles
digam que não temos o papel, a gente estava ali há muito tempo. Tem vestígios
disso onde a gente mora”, concluiu.
Fonte: Agência Brasil
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