Com representantes do MPF, MPPA, DPU e DPE, o grupo questiona
cobranças excessivas, cortes irregulares, falta de transparência e acusa a
Celpa de enriquecimento ilícito.
Com 17 mil reclamações de consumidores em 2018, 11
mil ações no Poder Judiciário no mesmo período e a segunda tarifa mais cara do
país, a Celpa (Centrais Elétricas do Pará) se tornou alvo de uma força-tarefa
que na semana passada, após quatro meses de investigações, entrou com três
ações civis públicas contra a concessionária, na Justiça Federal e na Justiça
Estadual. Os processos pedem um total de R$ 20 milhões em indenização por danos
sociais e buscam a suspensão imediata de práticas abusivas da empresa contra os
consumidores paraenses: foram constatadas cobranças excessivas, cortes irregulares
de energia, falta de transparência nas contas e até enriquecimento ilícito. A
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também é ré, nos processos que
tramitam na esfera federal, por ter permitido as práticas ilegais da
concessionária.
A força-tarefa que investiga a
Celpa é formada por membros do Ministério Público Federal (MPF), Ministério
Público do Estado do Pará (MPPA), Defensoria Pública da União (DPU) e
Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE). Eles ajuizaram uma ação perante a
9a Vara Cível e Empresarial da Justiça Estadual em Belém, que trata dos cortes
de energia feitos por estimativa de consumo, um abuso que se tornou corriqueiro
em todo o território paraense. Outras duas ações foram iniciadas na Justiça
Federal, na 1a e na 2a Vara Cíveis da capital do estado: a primeira trata de
práticas abusivas na lavratura dos chamados Termos de Ocorrência de
Irregularidade (TOI), instrumento pelo qual a Celpa comunica os usuários em
dívida com a empresa; a segunda trata do enriquecimento ilícito da concessionária
por cobrar de todos os consumidores paraenses pelas chamadas perdas
não-técnicas, os desvios de energia popularmente conhecidos como gatos.
Os
processos foram anunciados hoje (2/4) em entrevista coletiva em Belém. “É
preciso repensar a regulamentação da política de recuperação de consumo de
energia elétrica. Atendemos pessoas que a dívida ultrapassa o valor do próprio
imóvel. Como se chegou a isso? O propósito é repensar o sistema de recuperação
de energia e pensar num futuro em que o custo da energia elétrica não vai ser
um assombro para o paraense”, disse o defensor público estadual Cassio Bitar
Vasconcelos durante a coletiva. “Para as instituições que investigaram as
contas de energia, são ilegais as cobranças feitas por estimativa e também a
socialização dos custos pelo desvio de energia. Os desvios devem ser cobrados
pela empresa de quem os comete e não de toda a sociedade. É preciso adequar as
normativas emitidas pela Aneel à legislação de defesa dos consumidores”, disse
o procurador da República Bruno Valente.
Enriquecimento ilícito
Na ação judicial que trata da
cobrança pelos “gatos”, que tramita com o número 1001450-66.2019.4.01.3900 na
1a Vara Federal Cível de Belém, a força-tarefa pede a suspensão imediata da
cobrança, a devolução a todos consumidores paraenses de valores cobrados em
duplicidade nos últimos cinco anos e que a empresa seja condenada a pagar
indenização por danos sociais no valor de R$ 10 milhões. Os investigadores
descobriram que a Celpa recebe, desde 2015, dos dois milhões de usuários no
Pará, as chamadas perdas não-técnicas, uma cobrança permitida pela Aneel. Essas
perdas são estimadas pela própria empresa e depois distribuídas pelas tarifas
de todos os consumidores, alcançando no estado 34% do valor total das contas de
luz.
O problema é que, mesmo
cobrando de todos os usuários pelos chamados gatos, a empresa desenvolveu uma
política agressiva de recuperação de consumo, cobrando individualmente cada
usuário, sob ameaça de corte, pelo histórico de perdas da unidade consumidora.
“Vê-se que a concessionária recebe duas vezes pelas supostas perdas não
técnicas, pois onera em até 34% a fatura dos mais de dois milhões de
consumidores paraenses ao mesmo tempo em que recupera de cada unidade
consumidora com desvio ou acúmulo em cobranças diretas e mesmo através de
odiosos procedimentos, cuja regularidade tem sido objeto de milhares de ações,
sobrecarregando o Poder Judiciário”, diz a ação judicial que trata do tema.
Para piorar o cenário de
violação aos direitos dos consumidores, não existe transparência sobre as
perdas não-técnicas nem nas contas de luz, nem nas informações prestadas pela
empresa. A própria Celpa calcula quanto “perde”, quanto deve cobrar nas contas
de todos e quem deve ser cobrado individualmente, por meio de ameaças de corte
de energia. Nem a Aneel nem a Celpa informam quanto a concessionária já
conseguiu arrecadar nos últimos cinco anos com tais cobranças. Pela legislação
que rege o setor, as perdas deveriam ser comprovadas e abatidas das contas de
energia conforme são recuperadas, mas isso nunca aconteceu no Pará.
A situação das cobranças
indevidas é de tal descontrole que milhares de consumidores no estado
comprometem a totalidade de suas rendas mensais para ter acesso a um serviço
essencial, muitos enfrentando processos judiciais de cobrança em que constam
dívidas superiores ao valor dos próprios imóveis em que residem. Se a Justiça
conceder liminar favorável, a Celpa pode ser obrigada a apresentar o
demonstrativo de todos os valores cobrados e recuperados a título de perdas
não-técnicas desde 2015 e também a apresentar as informações aos consumidores
em sua página na internet.
Para a força-tarefa, a
investigação sobre as práticas da Celpa desconstrói a ideia de que a concessão
do serviço de energia elétrica em estado ou região com alto índice de perdas
não técnicas é negócio pouco ou menos lucrativo. “Pela lógica da regulação atual,
quanto maior o número de desvios, maior o percentual cobrado a título de perdas
nas faturas. Some-se a isso uma agressiva política de recuperação de consumo,
impondo ao usuário a negociação sob pena de corte administrativo e o negócio já
se tornou mais atrativo do que as concessões em estados com baixa perda
técnica”, diz a ação judicial.
Os
investigadores estimam que em dois anos, entre janeiro de 2017 e dezembro de
2018, a cobrança apenas de usuários acusados de irregularidades pode ter
rendido R$ 3,2 milhões para a Celpa. Mesmo assim, todos os usuários paraenses
continuaram pagando para empresa pelas mesmas irregularidades. “É justo que o
consumidor regular pague pelo alto índice de fraudes e desvios? Não seria isso
risco do negócio concedido? Ou ainda meta para concessionária alcançar em
termos de eficiência? Que interesse haverá no grupo econômico (visa o lucro) em
diminuir o percentual de perdas não técnicas (desvios) se pode compensar-se por
isso na fatura dos bons pagadores?”, pergunta a força-tarefa.
Meta de irregularidades
As outras duas ações judiciais
iniciadas na semana passada contra a Celpa e a Aneel complementam o quadro de
abusos da concessionária contra os consumidores paraenses. Na ação civil
pública 1001345-89.2019.4.01.3900, na 2a Vara Federal Cível de Belém,
discute-se o chamado Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI), instrumento
pelo qual a empresa notifica um consumidor da presença de irregularidades na
conta de energia de seu imóvel – ou por haver um desvio de energia ou por ter
havido em algum momento do passado, mesmo que o usuário não residisse no
endereço.
Nas investigações, a
força-tarefa recebeu a denúncia de que a Celpa impõe aos trabalhadores
responsáveis pelas notificações uma meta de sete Termos assinados por dia. A existência
da meta pode explicar a prática abusiva de obrigar qualquer pessoa presente no
imóvel a assinar o TOI, mesmo que não seja o titular da conta de energia, sob
ameaça de corte imediato de energia.
Além disso, as notificações
referem-se aos chamados Consumo Não-Registrado (CNR) e Acúmulo de Consumo, duas
irregularidades que a empresa vem cobrando dos consumidores sem informar com
transparência como faz o cálculo dos valores. Como as informações são prestadas
com ameaça de corte imediato, é comum os consumidores aceitarem os TOIs sem
saber exatamente como foram calculadas as suas dívidas. Como se não bastassem
os problemas no momento das cobranças, que acabam levando os consumidores a
aceitarem e assinarem acordos com a empresa, a Celpa ainda inclui os valores
desses acordos nas contas mensais de energia, o que acaba gerando novas dívidas
e novas ameaças de corte, em um círculo vicioso de abusos do qual os usuários
não conseguem se livrar.
No
processo que trata dos TOIs, a força-tarefa pediu à Justiça Federal que:
obrigue a assinatura dos termos apenas pelo titular da conta de energia ou por
pessoa de sua confiança com consentimento expresso; que a Celpa torne
transparentes aos consumidores os métodos de cálculo do Consumo Não Registrado
e do Acúmulo de Consumo; e que valores frutos de acordo entre a concessionária
e os consumidores acusados de irregularidades sejam excluídos das contas
mensais de energia e cobrados em documentos a parte. No mesmo processo, a Celpa
pode ser condenada a pagar danos morais coletivos no total de R$ 500 mil.
Ameaça de corte mediante
cobranças abusivas
O terceiro processo judicial
contra a Celpa foi iniciado com o número na 9a Vara Cível e Empresarial da
Justiça Estadual, na comarca de Belém, com a numeração 0187891-43.2019.8.14.0301.
A ação trata da prática recorrente da empresa de embutir nas faturas de energia
débitos de consumo referentes a meses e até anos anteriores, sem que as
informações estejam discriminadas corretamente nas contas e gerando ameaças
constantes de corte de energia. Esses débitos, chamados tecnicamente de CNR
(Consumo Não Registrado) e Acúmulo de Consumo, de acordo com decisões do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) podem ser cobrados pelas concessionárias de
energia no máximo até três meses depois de registrados.
Como a Celpa não discrimina
nenhuma informação nas contas, provavelmente está cobrando, ilegalmente,
débitos muito anteriores ao prazo estabelecido pela jurisprudência. O MPPA e a
DPE, por meio da Promotoria de Defesa do Consumidor e do Núcleo de Defesa do
Consumidor, tentaram diversas vezes corrigir a conduta da Celpa através de
recomendações e acordos extrajudiciais, sem sucesso. Agora, pedem à Justiça que
proíba a Celpa de continuar ameaçando de corte consumidores com débitos
anteriores a 90 dias, assim como de lançar as cobranças integrais nas faturas
mensais, o que tira o direito de negociação dos usuários.
A ação também discute o fato
de que a Celpa vem calculando o CNR por meio de estimativas de consumo em vez
do obrigatório registro de consumo, o que a empresa chama de “recuperação por
estimativa”. “Nesse tipo de cobrança, a concessionária, quando não realiza a leitura do relógio marcador, de sua responsabilidade, emite a conta ponderando uma média de consumo dos últimos meses”, diz a ação judicial.
“As cobranças citadas têm sido impostas aos consumidores de energia elétrica do estado do Pará de forma abusiva, surpreendendo os consumidores com valores desconhecidos imputados em suas faturas de consumo comprometendo, como usual, a renda familiar, vez que, na maioria dos casos, são eles cobrados com a garantia especial decorrente do poder de corte administrativo pelo inadimplemento”, dizem os integrantes da força-tarefa. Nesse mesmo processo, a Celpa também pode ser condenada a pagar outros R$ 10 milhões em danos à sociedade paraense.
estimativa”. “Nesse tipo de cobrança, a concessionária, quando não realiza a leitura do relógio marcador, de sua responsabilidade, emite a conta ponderando uma média de consumo dos últimos meses”, diz a ação judicial.
“As cobranças citadas têm sido impostas aos consumidores de energia elétrica do estado do Pará de forma abusiva, surpreendendo os consumidores com valores desconhecidos imputados em suas faturas de consumo comprometendo, como usual, a renda familiar, vez que, na maioria dos casos, são eles cobrados com a garantia especial decorrente do poder de corte administrativo pelo inadimplemento”, dizem os integrantes da força-tarefa. Nesse mesmo processo, a Celpa também pode ser condenada a pagar outros R$ 10 milhões em danos à sociedade paraense.
Ascom MPF/PA
Foto:
Arquivo do Portal A Voz do Xingu
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