A Procuradoria Geral da República enviou
ao Supremo Tribunal Federal parecer de mérito na reclamação (Rcl 14404)
ajuizada pela União para suspender liminar que determinou a paralisação
das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Segundo o
documento assinado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e
pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, a reclamação
não deve ser conhecida e, sucessivamente, deve ser considerada
improcedente. Liminar na reclamação já foi concedida pelo presidente do
STF, ministro Ayres Britto.
A reclamação foi ajuizada com o pedido
final para que seja anulado o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região que suspendeu as obras, por desrespeitar a decisão proferida
pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Suspensão de
Liminar (SL) nº 125.
O parecer argumenta que a SL nº 125
jamais foi submetida ao plenário da Corte Suprema. "Houve apenas a
decisão singular da Presidente do STF e, quando provocada mediante
agravo regimental, teve este por prejudicado em razão do julgamento de
mérito da ação civil pública", diz. Para a PGR, só seria possível o
manejo da reclamação para preservar a declaração de constitucionalidade
do Decreto Legislativo 788 (que autorizou Belo Monte) se esta fosse uma
decisão do plenário do STF, e não uma decisão monocrática da então
presidente da Corte.
O parecer destaca ainda um aspecto de
conteúdo que inviabiliza a reclamação, tendo em vista jurisprudência do
STF: a falta de identidade material entre a decisão reclamada e aquela
tida por paradigma. Isto porque, segundo a PGR, a decisão proferida na
SL 125 teve o plano da constitucionalidade e o acórdão reclamado julgou o
feito exclusivamente à luz da Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho.
Eficácia – Os autores consideram ainda
que, caso superadas as objeções quanto ao cabimento da reclamação,
persiste uma questão quanto à eficácia da decisão proferida na SL 125,
que foi alvo de agravo regimental do Ministério Público Federal,
considerado prejudicado por causa de decisão de mérito proferida na ação
civil pública ajuizada perante a Vara Federal de Altamira (PA). "Na
forma em que lançada a decisão proferida no agravo regimental, o MPF foi
levado a crer que a presidência dessa Corte não mais considerava válida
a decisão suspendendo a liminar antes concedida."
Assim, o parecer da PGR invoca o
princípio da proteção à confiança legítima, argumentando que desse
princípio decorrem duas consequências possíveis: ou não se considera
mais válida a decisão proferida na SL 125, ou se permite a discussão de
seus fundamentos, tal como antes pretendido no agravo regimental, que é o
que o parecer passa a fazer.
Fundamentos – Segundo o documento, a
consulta aos povos indígenas, quanto às medidas administrativas e
legislativas que possam afetá-los, é consequência lógica e necessária de
sua autodeterminação, ou seja, da possibilidade de traçarem para si,
livres da interferência de terceiros, os seus projetos de vida.
"Também decorrência lógica da
autodeterminação dos povos indígenas, ideia força de uma sociedade
plural, é que a consulta seja prévia. A consulta posterior, quando já
consumado o fato sobre o qual se pretende discutir, é mera forma sem
substância, incompatível com as liberdades expressivas e a gestão do
próprio destino que tanto a Constituição, quanto a Convenção 169/OIT
lhes asseguram."
Para a PGR, a consulta prévia e
informada dos povos indígenas consta da maior parte dos documentos
internacionais que, de alguma forma, lhes dizem respeito e, além de ser
uma norma convencional, é também um princípio geral de direito
internacional. O parecer também destaca vários dispositivos da
Constituição brasileira que apontam no sentido de um Estado cooperativo.
De acordo com os autores, a exigência
constitucional de oitiva prévia das comunidades indígenas afetadas pelo
empreendimento se justifica diante de dois objetivos, ambos da maior
relevância: de um lado, franquear aos parlamentares o acesso a dados e
posições relevantes sobre o tema a ser decidido, possibilitando com isso
uma decisão congressual mais bem informada e tendencialmente mais
correta; de outro, ela dá aos povos indígenas a chance de acesso ao
contraditório na esfera política, garantindo-lhes a possibilidade de
tentar influenciar na tomada de decisão parlamentar que lhes atingirá
diretamente.
Segundo o parecer, no espaço
legislativo, não há real paridade de armas entre os grupos interessados
na realização de empreendimentos econômicos de vulto, como a exploração
de energia elétrica, e as comunidades indígenas. "Por isso, é tão
importante a existência de mecanismo institucional que assegure a voz
dos povos indígenas nas deliberações parlamentares que lhes dizem
respeito", afirma.
Por fim, o parecer lança uma pergunta: é
possível situar o interesse público apenas na realização da obra? "Essa
talvez fosse uma questão de fácil resposta em face de um ordenamento
constitucional consagrador de um direito hegemônico. No caso de uma
Constituição emancipatória, que assegura os direitos de minorias,
impondo limites materiais às decisões das maiorias eventuais, o
interesse público não pode ser medido em desconsideração a esses
grupos", alerta.
Escrito por WIlson Soares (O Xingu)
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