Em sermão narrado no Evangelho de Mateus, Jesus dava a cara a tapa: “Ao que te bate numa face, ofereça-lhe também a outra”.
Na igreja Renascer, o corpo todo é entregue a bofetadas. Nesta versão gospel do UFC, vale-tudo, literalmente, para conquistar mais fiéis.
O presbítero Baby, 33, está no centro do octógono alugado por R$ 3.000 e instalado no Renascer Hall, da igreja da bispa Sonia Hernandes (para quem lutadores como Vitor Belfort e Anderson Silva são “tudo de bom”).
Ele é um dos organizadores do URF (Ultimate Reborn Fight, ou “a melhor luta do renascido”), cuja segunda edição foi realizada no sábado, 26, no espaço na Mooca (zona leste de São Paulo).
O presbítero Baby, líder do Reborn Team, equipe de luta livre da Renascer (foto: Anna Virginia Balloussier)
Baby nasceu Vagner Miguel e, até 2005, era um “desviado” que traficava de maconha a lança-perfume no Jaraguá (zona norte). “Bebia muito” até se converter “instantaneamente” durante um acampamento evangélico para jovens. Virou líder nacional do Reborn Team, a “equipe dos renascidos” da igreja. Hoje, o faixa preta dá aulas de jiu-jítsu no Renascer Hall aos sábados, de graça, aberta a quem quiser chegar (outro instrutor ensina muay thai). Os atletas ouvem uma pregação após o treino.
Baixinho e atarracado, Vagner é Baby em homenagem ao bebê dos Silva Sauro, do seriado “Família Dinossauro” –aquele monstrinho que dá paneladas em quem “não é a mamãe”. Distribui sopapos no ringue, mas sempre com o intuito de evangelizar: a igreja vê no esporte uma isca para atrair públicos mais heterogêneos.
Essa pescaria começa na fila de homens com cabeleira tosada e manga curta (tamanho dois números menor, levando bíceps a pularem para fora feito restinho de pasta de dente no tubo). Também há crianças e mulheres –algumas com bebê no colo, outras com decote idem.
“Nós abominamos isso: roupa curta, indecência. Sensualidade não cabe na nossa visão”, diz Baby, cabeça balançando, a namorada ao alcance da visão (uma loira de calça comprida estilo legging, cabelos longos, lisos e platinados).
Entre UFC e URF, as diferenças não vão muito além de letras trocadas e a ausência das moças rebolativas de short curto na arena gospel.
Sobram sangue e nocaute nas lutas. As torcidas, exaltadas, não raramente subvertem o segundo mandamento: tomarás, sim, o nome do Senhor em vão, e também o da senhora sua mãe, sobretudo se o lutador de sua preferência estiver beijando a lona.
“Quem fala palavrão eu entendo que não é cristão”, me diz a assessora de imprensa da Renascer, que “ama” a pancadaria na igreja. “Ajuda a trazer os ímpios pra cá.”
Quem não frequenta igreja, no léxico evangélico, pode ser chamado de ímpio (“que tem desprezo pela religião”) ou secular (“que não cabe à Igreja, profano”), em duas definições do Houaiss.
Como na versão tradicional, há limites no URF: não pode cotovelada, golpe nas partes íntimas, agredir o rosto e “bate-estaca” (bater a cabeça do adversário repetidamente contra o chão), segundo Baby.
Lutadores no octógono instalado no meio da igreja para o URF – Ultimate Reborn Fight (Foto: Abdiel Silva e Bruna de Paula)
“Senhoooooras e senhooooores, irmãããããos e irmãããããs!”
Especificamente no sábado, o evento começou às 20h25, com um pedido de oração e a saudação do pastor. Nem todos os competidores (que atendem por nomes como Eduardo Peludo, Beto Anjo Loiro e Felipe Cabelo) são evangélicos.
Do lado de fora, algumas barraquinhas vendem itens para o público bombado. Uma camisa de R$ 35 leva na estampa:
Li que fumar fazia mal
Parei de fumar
Li que beber fazia mal
Parei de beber
Li que bomba fazia mal
Parei de ler
Daniel Barone, 36, é “terminantemente” contra anabolizantes e afins, que vão contra as diretrizes do seu credo.
Ele administra sua banquinha de produtos naturais trazidos de Belém do Pará, como o gel relaxante muscular (R$ 20) e o aromatizador bucal sabor framboesa (R$ 15). Também vende chaveiros com luvinhas de boxe a R$ 10.
Profissão: personal trainer. Bíceps: duas bolas de ferro sob cada braço. Igreja: Comunidade da Graça, no Tatuapé. Daniel não vê incoerência entre professar sua fé e aderir à luta livre. “Futebol também é violento. Às vezes morre gente na torcida”, ele diz enquanto negocia um frasco de guaraná em pó com uma cliente em potencial.
Fonte: uol.com/brdlpv pic.twitter.com/8u2WjXlNP5
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