O Ministério Público Federal
(MPF) pretende recomendar à Justiça que suspenda a remoção de ribeirinhos que
moram em áreas que serão afetadas pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo
Monte Ricardo Joffily/Ascom DPU.
O
Ministério Público Federal (MPF) pretende recomendar à Justiça que suspenda a
remoção de ribeirinhos que moram em áreas que serão afetadas pela construção da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Vitória do Xingu, no sudoeste do Pará. A
iniciativa, que está sendo discutida com o Conselho Nacional dos Direitos
Humanos, é fruto da inspeção de dois dias que órgãos públicos federais, entre
eles o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), fizeram na região esta semana.
“Conversamos com as pessoas que, desde o começo, sabíamos
que seriam as mais afetadas pelo empreendimento: os ribeirinhos e os pescadores
do Rio Xingu, e tivemos um choque de realidade. As dificuldades que estão tendo
são muito maiores do que imaginávamos a princípio”, disse o procurador da República,
Felício Pontes, à Agência Brasil.
Um relatório da visita está sendo
produzido e será enviado ao Consórcio Norte Energia, responsável pela
construção da usina nos próximos dias. A proposta é aguardar a manifestação do
consórcio sobre os problemas apontados pela comitiva e propostas para superá-los.
Apesar disso, além de negociar com o Conselho dos Direitos da Pessoa Humana uma
recomendação conjunta para tentar suspender as remoções até que os problemas
sejam resolvidos, o procurador adiantou já estudar a hipótese de o MPF ajuizar
um processo judicial para tentar rever os valores das indenizações que estão
sendo pagas a título de reparação financeira.
Segundo Pontes, as indenizações
não são suficientes para que as famílias de ribeirinhos e pescadores preservem
suas fontes de renda e seu padrão de vida. “Os valores são muito baixos,
calculados a partir das casas de madeira e palha onde essas pessoas moram, sem
levar em conta que elas retiram seu sustento dos locais onde vivem e pescam. As
perdas resultantes da impossibilidade de continuarem exercendo sua atividade
econômica não está contemplada nas indenizações pagas.”De acordo com o
procurador, pescadores relataram que, em função das intervenções no Rio Xingu,
a produção individual semanal caiu de 3 toneladas para 7 quilos de pescado. “É
uma situação muito difícil, antes mesmo da usina começar a funcionar. O
consórcio não quer aceitar isso. Quer indenizar as pessoas levando em conta
apenas o valor das construções humildes que, muitas vezes, não passam de uma
choupana. Ou então transferir as famílias para assentamentos urbanos nas
cidades, longe do rio, onde ribeirinhos e pescadores não terão mais sua
principal fonte de sustento.”Pontes não soube precisar o número de pessoas que
podem ser prejudicadas pelo empreendimento por não ter tido acesso ao cadastro
socioambiental dos moradores das áreas afetadas, cuja produção é
responsabilidade do consórcio e o procurador afirma não ter sido concluído. A
Norte Energia garante ter feito o levantamento completo e entregado as
informações ao Ibama para obter a autorização ambiental.
Segundo o Movimento de
Atingidos por Barragem (MAB), autor das denúncias de violação dos direitos
humanos das comunidades tradicionais, mais de 3 mil famílias já cadastradas
estão sendo obrigadas a aceitar a reparação financeira, impossibilitadas de
optar pelo reassentamento.
Pontes entende que os problemas identificados pela
comitiva que visitou as comunidades afetadas violam previsões legais, como a
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – da qual o Brasil
é signatário e que estabelece que os povos tradicionais devem ser consultados
de forma a preservar seus modos de vida – e as próprias condicionantes
estabelecidas pelo Ibama ao autorizar as obras. “Há uma violação das leis e das
condições estabelecidas para tornar o empreendimento viável do ponto de vista
socioambiental”.
Procurado pela reportagem, o Ibama confirmou a
participação da confecção do referido relatório da visita, no qual serão
“apurados” eventuais descumprimentos das condicionantes estabelecidas no processo
de licenciamento ambiental de Belo Monte. O instituto disse não ter qualquer
participação na definição das indenizações, que, segundo o órgão, são
negociadas entre as partes.
Em
nota, a Norte Energia afirmou cumprir todas as condicionantes estabelecidas no
Plano Básico Ambiental, cuja execução é fiscalizada pelos órgãos licenciadores.
O consórcio explicou que, de fato, os pescadores são indenizados apenas pelas
benfeitorias feitas nos locais onde vivem, e não pelas propriedades, que
pertencem à União. Nas ilhas que serão submersas, por exemplo, a Norte Energia
diz não haver casas, mas sim construções rudimentares que servem de apoio aos
pescadores que param nas ilhas. O consórcio se compromete não só a indenizar
essas instalações, como a construir outras nas ilhas que não vão ser alagadas.
Em relação ao reassentamento
dos pescadores que optarem por ser transferidos para outras áreas, a Norte
Energia assegura que os locais escolhidos estão dentro das distâncias admitidas
no Plano Básico Ambiental. O consórcio afirma não ter constatado a diminuição
de peixes em consequência do empreendimento. E lamenta que os representantes do
MPF tenham permanecido por apenas dois dias na região, “prazo insuficiente para
qualquer análise aprofundada da realidade da região”. A empresa sugere que
algumas autoridades públicas e representantes de organizações não
governamentais (ONGs) combatem a hidrelétrica de Belo Monte "por
questões meramente ideológicas".
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