Está
pronto no governo o texto do decreto presidencial que deverá abrir
uma área de 47 mil quilômetros quadrados entre o Pará e o Amapá
para exploração mineral. A área equivale ao estado do Espírito
Santo. A medida deverá ser anunciada em breve, conforme adiantou o
ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, ao comentar o
pacote com novas regras para o setor de mineração divulgado ontem.
A abertura dessa área, porém, poderá gerar uma série de conflitos
entre a atividade minerária, a conservação da biodiversidade e os
direitos indígenas.
O
alerta consta de um relatório divulgado hoje pelo WWF-Brasil,
produzido em parceria com a empresa Jazida.com, especializada em
geoprocessamento. A área conhecida como Reserva Nacional do Cobre e
seus Associados (Renca) engloba nove áreas protegidas: o Parque
Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e
do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do
Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio
Paru d`Este.
A
Renca está bloqueada pelo governo brasileiro desde 1984, mas deve
ser aberta para mineração como parte dos planos do governo Temer de
atrair investimentos internacionais para a região e engordar o PIB.
Uma portaria do MME publicada início de abril foi o primeiro passo
para retomar a exploração mineral na região.
“Apesar
do forte apelo econômico, o desenvolvimento da atividade minerária
pode trazer impactos indesejáveis para as áreas protegidas
inseridas na Renca, tais como explosão demográfica, desmatamento,
comprometimento dos recursos hídricos, perda de biodiversidade,
acirramento dos conflitos fundiários e ameaça a povos indígenas e
populações tradicionais”, adverte Maurício Voivodic, diretor
executivo do WWF-Brasil.
A
legislação ambiental brasileira proíbe a mineração em unidades
de conservação classificadas como de proteção integral –
destinadas exclusivamente à preservação dos recursos naturais. Já
as unidades de uso sustentável podem ser abertas à atividade, desde
que haja um Plano de Manejo que indique claramente quais as
atividades permitidas.
No
caso das Terras Indígenas a proibição é total. O mesmo se aplica
às Reservas Extrativistas. Das nove áreas protegidas existentes na
Renca, a legislação atual permite atividade mineral apenas na
Floresta Estadual do Paru, já que a atividade está prevista no seu
Plano de Manejo, e mesmo assim em apenas um trecho da Flota.
Potenciais
conflitos
De
acordo com o relatório, a principal área de interesse para a
mineração na Renca coincide justamente com uma área de proteção
integral, a Reserva Biológica (Rebio) de Maicuru, onde os dados da
Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) apontam fortes indícios da
ocorrência de cobre e ouro.
O
relatório do WWF aponta ainda que existem na Rebio três processos
minerários registrados no Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM). Trata-se de duas autorizações para lavra e uma de
pesquisa. Duas concessões de lavra de ouro pertencem à Mineração
Transamazônica S.A. A de pesquisa é de domínio da Mineração
Jatapu Ltda. Esses processos devem ser mantidos, segundo a portaria
do MME que começar a reabrir a Renca.
Outra
autorização de pesquisa a ser mantida pertence à Mineração
Tucuri Ltda, e fica em uma área transfronteiriça que pega o trecho
paraense da Estação Ecológica do Jari e a zona proibida à
mineração na Floresta Estadual do Paru (PA). Outros 154
requerimentos de pesquisa protocolados junto ao DNPM serão
analisados com a abertura da Renca. No total, a área requerida para
estudos corresponde a cerca de 30 por cento de toda a reserva.
Na
Floresta Estadual do Paru (PA) – de uso sustentável –, onde
também há sinais de existência de ouro, o Plano de Manejo prevê
apenas a atividade de pesquisa mineral, e mesmo assim em somente um
trecho, na porção centro-sul da Renca.
Entretanto,
o documento orientador das atividades na Flota deixa brechas para que
o zoneamento da unidade seja alterado, estendendo a permissão para
lavra se comprovado o interesse mineral. Nesse tipo de unidade de
conservação, existe a possibilidade de mineração, mas deve-se
considerar todas as salvaguardas para garantir o cumprimento de seus
objetivos, conforme a legislação exige.
A
Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Rio Iratapuru (AP)
ainda não tem Plano de Manejo, sendo vulnerável a interesses
contrários à conservação. Neste caso, o ideal seria elaborar o
documento com as devidas restrições.
Outro
potencial conflito é a existência de duas Terras Indígenas na
Renca. No lado paraense está a TI Rio Paru d`Este, onde habitam duas
etnias, os Aparai e os Wayana. No lado do Amapá, encontra-se o
território indígena do povo Wajãpi. São povos que vivem em
relativo isolamento, conservam modos de vida milenares e mantêm de
pé uma área superior a 17 mil quilômetros quadrados de floresta
amazônica.
“Uma
eventual corrida do ouro para a região poderá causar danos
irreversíveis a essas culturas e ao patrimônio natural brasileiro.
Se o governo insistir em seguir abrindo áreas para mineração sem
discutir as salvaguardas socioambientais poderá ser questionado
internacionalmente”, alerta Jaime Gesisky, especialista em
Políticas Públicas no WWF-Brasil. Segundo ele, o Brasil não
pode repetir os erros cometidos na década de 1970 – quando grandes
empreendimentos foram levados para a Amazônia sem nenhum critério
que levasse em conta o meio ambiente e os povos da região.
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