© Reprodução O agora ex-ministro Gustavo Bebianno e o presidente Jair Bolsonaro |
Nos bastidores da crise que resultou na
demissão de Gustavo Bebianno da
Secretaria-Geral da Presidência da República, houve uma intensa troca de
mensagens escritas e de áudio, todas via WhatsApp, entre o presidente Jair Bolsonaro e
o agora ex-ministro. Nelas, os dois trocam farpas, acusações e se desentendem
sobre quase tudo. Desde o início da conversa, o estado de ânimo de cada um é
diferente: Bolsonaro mostra-se irritado e impaciente, enquanto Bebianno tenta
pacificar as coisas.
A relação entre eles estava estremecida desde
que o jornal Folha de S. Paulo revelou
um esquema de candidaturas laranjas do PSL, partido de Bolsonaro que foi presidido
por Bebianno no ano passado. Mas o filho do presidente, Carlos, nunca teve
simpatia por Bebianno, a quem atribui o fato de não ter conseguido controlar a
área de comunicação do governo. Sabe-se que Carlos não fazia nenhuma questão de
esconder do pai sua animosidade com o ministro.
A crise agravou-se na quarta-feira 13, quando
o jornal O Globo trouxe uma declaração
de Bebianno negando qualquer crise no governo e dizendo que, no dia anterior,
havia falado com o presidente “três vezes”.
Carlos aproveitou a oportunidade para detonar
Bebianno. Postou um tuíte dizendo que era
“mentira absoluta” que Bebianno tivesse falado com seu pai.
O tuíte de Carlos foi compartilhado pelo
presidente. Na noite da mesma quarta-feira, Bolsonaro deu entrevista à TV
Record em que afirmou que era mesmo mentira que Bebianno tivesse falado com
ele.
Os áudios a que VEJA teve acesso provam que,
se alguém mentiu no episódio, foram o presidente e o filho. Bebianno, como se
pode constatar nas gravações a seguir, falou com o presidente por meio de
mensagens escritas e pelo menos treze mensagens de áudio. Confira:
A
GLOBO É “INIMIGA”
Na terça-feira 12, o presidente Bolsonaro
encaminhou a Bebianno uma mensagem contendo a agenda do ministro. Nela,
constava que Bebianno receberia na terça-feira, às 16h, o vice-presidente de
Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo. Ao receber
mensagem do presidente, a quem trata apenas por “capitão”, Bebianno respondeu
de imediato: “Algo contra, capitão?”.
Depois de insistir com algumas mensagens por
escrito, Bebianno recebeu o seguinte áudio do presidente em que ele declara que
a Globo é uma inimiga do governo e que, ao fazer contatos com a emissora, o
colocaria em posição delicada com “as outras emissoras”:
Bolsonaro – “Gustavo,
o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero
ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós
estamos se aproximando
da Globo. Então não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo
passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para dentro de casa é outra história.
Pô, cê tem
que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter um
relacionamento legal dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou –
antes, durante, agora e após a campanha – para dentro de casa. Me desculpa.
Como presidente da República: cancela, não quero esse cara aí dentro, ponto
final. Um abraço aí.”
OS
MINISTROS ESTÃO CHATEADOS
Em outro momento da troca de mensagens,
Bebianno envia ao presidente uma nota publicada pelo site O Antagonista. A nota
informa que Bebianno e mais dois ministros – Ricardo Salles, do Meio Ambiente,
e Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos – viajariam para o Pará
para discutir projetos para a Amazônia com líderes locais. Bolsonaro, ainda
convalescendo no hospital, não gosta da ideia e reclama com o ministro:
Bolsonaro
– “Gustavo, uma pergunta: “Jair Bolsonaro
decidiu enviar para a Amazônia”? Não tô entendendo. Quem tá patrocinando essa
ida para a Amazônia? Quem tá sendo o cabeça dessa viagem à Amazônia? Um abraço
aí, Gustavo, até mais.”
Depois desse áudio, o presidente, aparentemente,
conversa com os outros dois ministros, Salles e Damares, e os dois se mostraram
incomodados com a tal viagem. Bolsonaro, por sua vez, mostra seu receio de vir
a ser cobrado por obras na região amazônica e decide então cancelar a
programação toda:
Bolsonaro – “Ô,
Bebianno. Essa missão não vai ser realizada. Conversei com o Ricardo Salles.
Ele tava chateado que tinha muita coisa para fazer e está entendendo como
missão minha. Conversei com a Damares. A mesma coisa. Agora: eu não quero que
vocês viajem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o
povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter
recurso, o orçamento é nosso, vai ser aprovado etc. Então essa viagem não se
realizará, tá OK? Um abraço aí, Gustavo!”
Os áudios acima mostram que Bolsonaro, de
fato, falou “três vezes” com Bebianno, exatamente como o ministro declarara ao
jornal O Globo. Querendo dar ares de
normalidade à rotina do governo e assim minimizar o impacto da crise do
laranjal do PSL, Bebianno declarara o seguinte ao jornal: “Não existe crise
nenhuma. Só hoje (terça-feira) falei três vezes com o presidente”. Era verdade.
Mas o filho Carlos postou o tuíte dizendo que ficara “24 horas do dia” ao lado
do pai e não registrara qualquer conversa com Bebianno. E ainda postou um áudio
em que o presidente garante que não tinha falado com o ministro –
aparentemente, pai e filho consideram que troca de áudio não configura uma
“conversa”.
Nos áudios seguintes, há trocas de mágoas e
uma discussão bizarra sobre o que significa “falar” com alguém. Confira:
“VOCÊ
NÃO FALOU COMIGO”
Neste áudio, Bolsonaro diz que Carlos não está
“incitando a saída” de Bebianno. Antes, Bebianno recebera — e encaminhara cópia
a Bolsonaro — uma mensagem de um jornalista (que não é identificado) dizendo
que Carlos vinha conversando com deputados para derrubar o ministro.
Bolsonaro – “O
caso incitando a saída é mais uma mentira. Você conhece muito bem a imprensa,
melhor do que eu. Agora: você não falou comigo nenhuma vez no dia de ontem. Ele
esteve comigo 24 horas por dia. Então não está mentindo, nada, nem está
perseguindo ninguém.”
“ISSO
ESTÁ ERRADO”
Bebianno – “Capitão,
há várias formas de se falar. Nós trocamos mensagens ontem três vezes ao longo
do dia, capitão. Falamos da questão do institucional do Globo. Falamos da questão da viagem. Falamos por
escrito, capitão. Qual a relevância disso, capitão? Capitão, as coisas precisam
ser analisadas de outra forma. Tira isso do lado pessoal. Ele não pode atacar um
ministro dessa forma. Nem a mim nem a ninguém, capitão. Isso está errado. Por
que esse ódio? Qual a relevância disso? Vir a público me chamar de mentiroso?
Eu só fiz o bem, capitão. Eu só fiz o bem até aqui. Eu só estive do seu lado, o
senhor sabe disso. Será que o senhor vai permitir que eu seja agredido dessa
forma? Isso não está certo, não, capitão. Desculpe.”
“POR
QUE ESSE ÓDIO?”
Em outro áudio enviado ao presidente, Bebianno
lembra que é um pacificador, em contraste com a personalidade espinhosa de Carlos,
e chegou a ser aceito no convívio com os militares que antes lhe rejeitavam – e
volta a garantir que não faltou com a verdade. “Ontem eu falei com o senhor
três vezes, sim”.
Bebianno
– “Capitão, eu só prego a paz, o tempo
inteiro. O tempo inteiro eu peço para a gente parar de bater nas pessoas. O
tempo inteiro eu tento estabelecer uma boa relação com todo mundo. Minha
relação é maravilhosa com todos os generais. O senhor se lembra que, no início,
eu não podia participar daquelas reuniões de quartas-feiras, porque os generais
teriam restrições contra mim? Eu não entendia que restrições eram aquelas, se
eles nem me conheciam. O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que
eles têm a meu respeito, sabe, capitão? Eu sou uma pessoa limpa, correta.
Infelizmente não sou eu que faço esse rebuliço, que crio essa crise. Eu não
falo nada em público. Muito menos agrido ninguém em público, sabe, capitão?
Então quando eu recebo esse tipo de coisa, depois de um post desse, é realmente
muito desagradável. Inverta, capitão. Imagine se eu chamasse alguém de
mentiroso em público. Eu não sou mentiroso. Ontem eu falei com o senhor três
vezes, sim. Falamos pelo WhatsApp. O que é que tem demais? Não falamos nada
demais. A relevância disso… Tanto assunto grave para a gente tratar. Tantos
problemas. Eu tento proteger o senhor o tempo inteiro. Por esse tipo de ataque?
Por que esse ódio? O que é que eu fiz de errado, meu Deus?”
“NÃO
VOU MAIS RESPONDER A VOCÊ”
Bolsonaro, aqui, deixa claro que trocar
mensagens de áudio não configura “falar” com alguém. E abre uma nova frente de
conflito. Acusa seu ministro de ter plantado uma nota em O Antagonista para
envolvê-lo com o laranjal do PSL em Pernambuco. Segue-se uma discussão
bizantina entre um presidente e um ministro.
Bolsonaro – “Ô, Gustavo, usar da… Que usou do Whatsapp
para falar três vezes comigo, aí é demais da tua parte, aí é demais, e eu não
vou mais responder a você. Outra coisa, eu sei que você manda lá no
Antagonista, a nota (sobre Bolsonaro não atender Bebianno) foi pregada lá. Dias antes, você pregou
uma nota que tentou falar comigo e não conseguiu no domingo. Eu sabia qual era
a intenção, era exatamente dizer que conversou comigo e que está tudo muito
bem, então faz o favor, ou você restabelece a verdade ou não tem conversa a
partir daqui pra frente.”
“É
DESONESTIDADE E FALTA DE CARÁTER”
Bolsonaro
– “Querer empurrar essa batata quente desse
dinheiro lá pra candidata em Pernambuco pro meu colo, aí não vai dar certo. Aí
é desonestidade e falta de caráter. Agora, todas as notas pregadas nesse
sentido foram nesse sentido exatamente, então a Polícia Federal vai entrar no
circuito, já entrou no circuito, pra apurar a verdade. Tudo bem, vamos ver daí…
Quem deve paga, tá certo? Eu sei que você é dessa linha minha aí. Um abraço.”
“NÃO
PLANTEI NADA”
Bebianno
– “Capitão, a nota do Antagonista que o
senhor tá me
acusando de ter plantado… Se o senhor olhar bem, eu localizei aqui e mandei pro
senhor. Eu não plantei nada. Ela replica o que a Folha falou. Está escrito aqui: “segundo
a Folha,
segundo a Folha, o
ministro Gustavo Bebianno tentou ligar para Jair Bolsonaro neste domingo para
explicar o caso, mas o presidente não atendeu”. Quem mencionou isso não foi o
Antagonista, foi a Folha. O
Antagonista simplesmente replicou. Então, capitão, eu não plantei nada em lugar
nenhum, tá? Abraço.
“QUEM
VAZOU FOI VOCÊ”
Bolsonaro
– “Bebianno, olha como você entra em
contradição. Que seja a Folha. Se
foi uma tentativa tua pra mim e eu não atendi… Eu não liguei pra Folha, eu não ligo pra imprensa nenhuma. Quem ligou
foi você, quem vazou foi você. Dá pra você entender o caminho que você está
indo? E você tem que fazer uma reflexão para voltar à normalidade. Deu pra
entender? Vou repetir: se você tentou falar comigo, um pra um, se alguém vazou
pra Folha, não
fui eu, só pode ser você. Tá ok?”
“NÃO
VAZEI NADA”
Bebianno
– “Não, capitão, não é isso, não. Eu não
tentei ligar pro senhor, eu não falei, não vazei nada pra ninguém. Eu nem
tentei ligar pro senhor. O senhor mandou um recado que era pra eu não ir ao
hospital. Não fui e não liguei pro senhor nenhuma vez. Deixei o senhor em paz.
É… Se eu tentei ligar uma ou duas vezes, também não me lembro pelo motivo que
foi, é… Não é isso, não, capitão, tá? Eu não vazei nada pra lugar
nenhum, muito menos pra Folha, com
quem eu praticamente não falo. Abraço, capitão.”
“O
SENHOR ESTÁ ENVENENADO”
Neste áudio, Bebianno explica seu papel nas
verbas do PSL remetidas para Pernambuco, reafirma que é inocente no caso das
candidaturas-laranja – e diz que o presidente está “bem envenenado”, deixando
implícito que o envenenador é seu filho Carlos:
Bebianno
– “Em relação a isso, capitão, também acho
que a coisa está… Não está clara. A minha tarefa como presidente interino
nacional foi cuidar da sua campanha. A prestação de contas que me competia foi
aprovada com louvor, é… Agora,
cada Estado fez a sua chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é
responsável pelas chapas estaduais. O senhor sabe disso melhor do que eu. E, no
nosso caso, quando eu assumi o PSL, houve uma grande dificuldade na escolha dos
presidentes de cada Estado, porque nós não sabíamos quem era quem. É… Cada
chapa foi montada pela sua estadual. No caso de Pernambuco, pelo Bivar,
logicamente. Se o Bivar escolheu candidata laranja, é um problema dele,
político. E é um problema legal dela explicar o que ela fez com o dinheiro. Da
minha parte, eu só repassei o dinheiro que me foi solicitado por escrito. Eu
tenho tudo registrado por escrito. Então é ótimo que a Polícia Federal esteja,
é ótimo que investigue, é ótimo que apure, é ótimo que puna os responsáveis. Eu
não tenho nada a ver com isso. É… Depois a gente conversa pessoalmente,
capitão, tá? Eu tô vendo que o senhor está bem envenenado. Mas tudo bem, a
minha consciência está tranquila, o meu papel foi limpo, continua sendo. E
tomara que a polícia chegue mesmo à constatação do que foi feito, mas eu não
tenho nada a ver com isso. O Luciano Bivar que é responsável lá pela chapa
dele. Abraço, capitão.”
Fonte:
MSN/VEJA.COM
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