A construção da maior hidrelétrica do Brasil corre o risco de ter seu
cronograma de operação atrasado em até um ano. A usina de Belo Monte,
que teve as suas obras iniciadas há 14 meses nas margens do rio Xingu,
no Pará, vive hoje o seu momento mais crítico, tudo por conta do prazo
para construção da chamada ensecadeira. Essa barragem provisória erguida
com o uso de terra e de rochas - sem concreto ou qualquer outro
material industrial - é usada para fazer o desvio do rio. Sua conclusão é
crucial para que os trabalhadores possam, finalmente, dar início à
construção daquela que será a barragem definitiva da usina. Acontece que
essa estrutura gigantesca, de quase um quilômetro de extensão, tem
agora um prazo exíguo para ficar pronta: dezembro, quando começa o
período das chuvas. A gravidade da situação é alertada pelo novo
diretor-presidente da Norte Energia, Duílio Diniz de Figueiredo, que
acaba de assumir o comando do consórcio responsável por Belo Monte.
Nesse momento, essa é a nossa maior preocupação. Se essa obra específica
não sair a tempo, teremos que parar todo o resto. E isso significa
suspender ou até mesmo demitir boa parte das 13 mil pessoas que hoje
atuam em Belo Monte, disse Figueiredo, em entrevista exclusiva ao Valor.
O maior receio da Norte Energia é iniciar a obra, mas não conseguir
conclui-la até o fechamento da janela hidrológica, daqui a pouco mais de
três meses. No caso de uma ensecadeira, diz Figueiredo, essa hipótese
tem que ser totalmente descartada, sob risco de causar um desastre
ambiental. Precisamos dessa estrutura pronta, com a segurança garantida.
Já estamos entrando numa faixa crítica de prazo, disse Figueiredo. Uma
chuva forte sobre uma ensecadeira não concluída pode comprometer toda
estrutura e levar a barragem rio abaixo. As consequências podem ser
extremamente graves, com riscos de inundação e mortandade elevada de
peixes, comentou.
Para complicar a situação, a Norte Energia tem ainda que vencer duas
etapas para iniciar o desvio do Xingu. Primeiro, tem que derrubar a
determinação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que na
semana passada ordenou a suspensão imediata do empreendimento, sob
alegação de que o processo de licenciamento ambiental não teria incluído
a consulta prévia a populações indígenas, desrespeitando a Constituição
brasileira e a legislação da Organização Internacional do Trabalho
(OIT). A Norte Energia nega todas as acusações e, por meio da
Eletrobras, já recorreu à Advocacia Geral da União para que a decisão
seja derrubada. A AGU só poderá agir, no entanto, quando o TRF
notificar, oficialmente o consórcio.
Paralelamente, é necessário ainda que as obras da ensecadeira obtenham
autorização do Ibama, da Agência Nacional das Águas (ANA) e da Fundação
Nacional do Índio (Funai). Segundo Duílio Diniz de Figueiredo, a
operação já teve sinal verde da Funai e da ANA. A expectativa do
consórcio é que, ainda nesta semana, o Ibama libere a autorização para
que a barragem provisória seja iniciada. Essa é uma obra auxiliar para
que outras etapas sejam iniciadas. Ela deveria ter começado na semana
passada, mas não foi possível. Temos que inicia-la imediatamente.
Já foram investidos mais R$ 5 bilhões em Belo Monte, uma média de R$ 360
milhões por mês desde o início das operações. Até o fim deste ano, mais
R$ 2 bilhões deverão ser desembolsados. A possível paralisação do
empreendimento não preocupa apenas empresários. Para os municípios da
região, a obra significa dinheiro nos cofres. Com 13% do empreendimento
pronto até agora, a Norte Energia já desembolsa R$ 45 milhões por mês
para pagar impostos à União, Estados e municípios. Disso, R$ 30 milhões
ficam retidos nos municípios por conta do Imposto Sobre Serviços (ISS). A
pequena cidade de Vitória do Xingu, que será a mais afetada pelo
enchimento do lago da usina, fica com 94% desse repasse. Altamira, que
centraliza os maiores impactos sociais e sofre com a precariedade total
de sua infraestrutura, fica com apenas 6%.
Sabemos das dificuldades que temos, mas somos otimistas. Acredito que
nosso cronograma será cumprido, sem nenhum tipo de alteração, diz
Figueiredo, engenheiro de formação, com 41 anos de experiência no setor,
boa parte deles acumulados na Eletrosul, em Florianópolis (SC).
Belo Monte terá duas casas de força para geração. A primeira turbina da
barragem complementar (Pimental) tem previsão de ser ligada em fevereiro
de 2015. Na casa de força principal (Belo Monte), as máquinas começam a
ser acionadas a partir de março de 2016.
Até lá, a Norte Energia terá que dar fim a questões complexas, como a
realocação de 5,2 mil famílias, o que significa trocar o endereço de
mais de 15 mil pessoas. Figueiredo diz que a aquisição de três áreas que
somam entre 220 e 250 hectares já está fechada. As terras custaram R$
18 milhões. A previsão é que as casas comecem a ser erguidas em três
meses, após obtenção de licenciamento e aval da prefeitura de Altamira.
As movimentações em torno de Belo Monte também envolvem a composição do
consórcio Norte Energia. Conforme adiantou o portal Valor na
sexta-feira, a Engevix, companhia que detém 3,75% do consórcio, iniciou
tratativas com os demais sócios para vender a sua participação. A
empresa não se posicionou sobre o assunto até o fechamento desta dição. A
Engevix é sócia de Belo Monte por meio de um Fundo de Investimento em
Participações (FIP) com o Funcef, da Caixa, o qual tem preferência para
adquirir a participação da empresa. Atualmente, o chamado Caixa FIP
Cevix detém uma participação total de 5% na Norte Energia. A Funcef,
dona de 25% das cotas desse FIP, controla 1,25%. A Engevix tem os demais
75% das cotas, que equivalem a 3,75%.
A Funcef detém ainda, sozinha, outros 5% da Norte Energia. O Petros,
fundo da Petrobras, é dono de 10%. Majoritário, o grupo Eletrobras tem
49,98% da sociedade, ao lado da Neoenergia (10%) e da Amazônia (Cemig e
Light), com fatia de 9,77%. Entre os autoprodutores de energia estão a
Vale (9%) e a Sinobras (1%). A J.Malucelli Energia é dona de 0,25%
Valor Econômico.
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