Sete anos após o assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang, no
município de Anapu (PA), à margem da BR-230, a Rodovia Transamazônica, o
Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança, mesmo com todo o
simbolismo e possibilidades que carrega, está praticamente abandonado
pelo governo, à mercê de exploradores ilegais de madeira, grileiros de
terras e sofre até impactos por conta da hidrelétrica de Belo Monte.
A
criação do PDS Esperança foi oficializada em 2004. Das cerca de 200
famílias assentadas, apenas 48 receberam as casas a que têm direito
através do crédito habitação, liberado pelo Incra. A energia elétrica
prometida há três anos ainda não chegou, e não há ambulância no local.
Para
chamar socorro alguns moradores estão há mais de 20 km de um ponto onde
há sinal de celular. Não existe transporte público e para ir até Anapu
os assentados pagam R$ 15 para viajarem na carroceria de uma camionete
particular que passa apenas três vezes por semana – e alguns deles têm
que caminhar até 7 km até o ponto onde a camionete passa.
As
estradas são ruins, e o escoamento da produção dos assentados é outro
entrave. Neste ano foi estabelecido um Grupo de Trabalho especial do
Incra em Anapu, mas seus funcionários chegam a ficar mais de um mês sem
tirar folga nos finais de semana e invariavelmente trabalham com
sobrecarga de horário.
Responsável por regularizar a situação de
conflitos fundiários e fomentar o desenvolvimento dentro dos
assentamentos, o Incra tem equipe reduzida na região e sofreu um corte
de 70% em seu orçamento nacional este ano.
Para complicar ainda mais, o preço dos tijolos na região está inflacionado por causa da demanda das obras de Belo Monte.
-
O milheiro do tijolo custava cerca de R$ 350,00 há um ano atrás. Agora
custa mais de R$ 700,00, mas o valor para compra de materiais para
construção das casas dos assentados continua o mesmo, de R$ 15 mil
reais. Os caminhões de Belo Monte vem até às lojas com funcionários para
carregar os tijolos e pagam em dinheiro. Já nós precisamos que seja
entregue dentro do assentamento – relata um servidor do Incra. Com as
estradas ruins, os donos das lojas preferem não correr o risco de arcar
com o transporte do material para os assentados.
No dia 6 de
junho, Marcio Ribeiro, 25, com a esposa Natalha Almeida, 18, e o filho
Jeremias, foram assentados no seu pedaço de terra na área do Lote 55.
Com
o capim tendo crescido mais de dois metros de altura, famílias como a
de Márcio são assentadas sem ainda ter recebido o crédito de apoio
inicial do governo (R$ 3.200 para compra de ferramentas e bens de
primeira necessidade) e sem ter uma casa, a que assentados de reforma
agrária têm direito. Isoladas, as famílias de assentados o lote têm que
desbravar sozinhas o matagal e iniciar sua plantação. Enquanto fazem
isso, muitos têm ainda que intercalar seus dias "tirando diárias" para
fazendeiros da região, ganhando R$ 25,00 por dia de trabalho para
sobreviver.
A imagem de Márcio e Natalha, segurando no colo o
pequeno Jeremias, diante de um barraco de madeira coberto com palha, e
de suas coisas empilhadas e uma panela de feijão cozinhando no gás que
compraram "fiado", se contrapõe àquela dos grandes fazendeiros e
madeireiros desfilando pela cidade em suas caminhonetes Hylux 4×4.
Contraste visível do modelo de desenvolvimento escolhido, por
planejamento ou omissão, para a fronteira de expansão econômica do país.
Assentados resistem
Contrariando
todas as expectativas pessimistas, o Esperança tem tudo para dar certo.
Ivonildes Santos Sousa, 45, a única mulher a ter participado do
bloqueio aos madeireiros no ano passado, vive no PDS Esperança desde que
foi criado, em 2004, e já plantou mais de 7 mil pés de cacau em seu
terreno. O cacau é uma das principais alternativas para agricultura
aliada à conservação ambiental na região, pela maneira como a espécie
convive com a floresta. E a terra é boa. Com a compra das sementes
subsidiadas pela CEPLAC, órgão ligado ao Ministério da Agricultura, os
assentados têm conseguido produzir. Ate hoje Ivonildes não recebeu a
casa a que todo assentado de reforma agrária tem direito.
Antônio
Silva, 42, ocupa há dois anos sua terra no Lote 55. Com a ajuda da
esposa e dos cinco filhos, já plantou 3 mil pés de cacau, mandioca,
banana, batata, arroz, feijão e milho. O único recurso que recebeu do
governo foi o crédito como apoio inicial, no valor de R$ 3,2 mil. Ele
também não teve construída sua casa e vive em um barraco que ergueu
aproveitando as estacas da cerca da fazenda que existia ali.
Conhecido
pelo apelido de "Índio", Antônio tido como exemplo pelos outros
assentados do que um homem pode fazer em sua terra com as próprias mãos.
Depois de passar muita dificuldade, já consegue tirar da roça o
alimento básico e, para comprar o que não pode plantar (óleo, café,
açucar, gás etc) ainda é obrigado a trabalhar em regime de diária para
fazendeiros da região.
No ano que vem sua plantação de cacau
começa a produzir. Morando na área mais distante do assentamento, ele
terá o desafio de transportar a produção para vender em Anapu, ao preço
hoje de R$ 4,30 o quilo. Sem as condições mais básicas de
infra-estrutura, os assentados também não têm uma organização coletiva
para transportar e beneficiar o cacau, o que agregaria maior valor ao
produto.
Antônio conta que não gosta de televisão, mas diz que seria bom de tivesse energia elétrica pra ter uma geladeira.
- Aí a comida não estragava. No inverno (meses de chuva) é difícil a gente conservar carne salgando.
E Índio sorri de contentamento por estar trabalhando na própria terra:
- Esse apelido de índio me caiu bem, porque eu sou como índio mesmo. Quando estou fora, o que mais quero é voltar pra cá.
Irmã Dorothy
Num
contexto em que imensas áreas públicas, com a anuência das autoridades,
foram apropriadas por um ciclo econômico cruel, que desviou o recurso
público, expulsou e dizimou índios e ribeirinhos, devastou a
biodiversidade e transformou a floresta em pasto para a criação de gado,
surgiu a semente do PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável)
Esperança, no município de Anapu (PA), à margem da BR-230, a Rodovia
Transamazônica. Pressionados por fazendeiros, madeireiros e grileiros,
um grupo de pequenos agricultores passaram também a disputar a ocupação
da terra na floresta.
O PDS foi um modelo de reforma agrária
idealizado pela freira norte-americana Dorothy Stang, que pretendia
conciliar a conservação da Amazônia com o desenvolvimento
sócio-econômico dos trabalhadores rurais – a maioria deles migrantes
nordestinos transformados pela contingência em "povo da floresta". A
irmã Dorothy, como era conhecida, apoiava e estimulava a ocupação da
floresta por estes trabalhadores e articulava apoio político e
visibilidade para a causa deles em Brasília.
Mas a atuação da
freira foi encarada como um obstáculo para alguns fazendeiros e
madeireiros da região, por dar aos trabalhadores rurais a consciência de
organização e de poder decidir o próprio destino. Na manhã do dia 12 de
fevereiro de 2005, Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros
enquanto percorria à pé, segurando a Bíblia com a mão direita, uma
estrada de terra dentro do Esperança.
Em seus momentos finais,
Stang teria recitado um trecho do sermão da montanha para os seus
assassinos, dois pistoleiros contratados por Vitalmiro Moura, o Bida,
que se dizia dono do Lote 55 (3 mil hectares de terra numa área anexa ao
PDS Esperança, que estava sendo disputada pelos assentados apoiados
pela freira), como provado no processo judicial que culminou com a
condenação dos criminosos.
Bida foi condenado, junto com outro
fazendeiro, a 30 anos de prisão. No local onde caiu o corpo inerte de
Dorothy, está afixada uma cruz em sua homenagem e uma placa, que
posteriormente foi alvejada por tiros de espingarda.
Na época, a
comoção nacional e internacional causada pela sua morte forçaram os
institutos de meio ambiente e de reforma agrária do governo federal à
uma atuação forte. O Lote 55 enfim foi retomado pelo Incra e incorporado
ao PDS e o Ibama manteve uma certa rotina de fiscalizações nos anos
seguintes, incluindo a autuação, em 2009, no valor de R$ 169 milhões, da
Agropecuária Vitória Régia S.A., empresa de Délio Fernandes, então
vice-prefeito de Anapu, eleito com Chiquinho do PT, o atual governante
municipal. Atualmente, Délio Fernandes disputa o cargo de prefeito na
vizinha Altamira.
Luta sem fim
Com o passar do
tempo, a indústria da madeira ilegal voltou à carga. No início de 2011,
diante da invasão desenfreada de madeireiros ao Esperança -relatos
indicam que mais de dez caminhões carregados de toras valiosas saíam
ilegalmente todos os dias do assentamento-, um grupo de assentados
decidiu formar um bloqueio humano na principal estrada de acesso.
O
bloqueio foi mantido por sete meses -num conflito em que os assentados
sofreram ameaças e intimidações constantes, um deles tendo sua casa
incendiada pelos madeireiros- e foi retirado apenas quando o governo
federal inaugurou, em agosto último, uma guarita com vigilância armada
durante 24 horas para coibir a ação dos madeireiros, tornando o
Esperança o primeiro assentamento do país a ter este tipo de guarnição
em seu acesso. Uma segunda guarita precisou de reforço de militares da
Força Nacional de Segurança durante sua construção.
Mesmo com as
guaritas, em maio deste ano, funcionários do Incra verificaram o
reinício das atividades de extração ilegal de madeira dentro da reserva
de floresta amazônica do PDS Esperança. Em incursão à mata, encontraram
trilhas abertas que ligam o PDS à Terra Indígena Trincheira-Bacajá, que
faz limite ao sul do assentamento e estaria sendo utilizada como
alternativa para driblar as guaritas.
Foram encontradas também
árvores de grande valor comercial marcadas para futuro corte (primeiros
passos da ação madeireira, etapa chamada de "inventário"). Os seguranças
contratados pelo Incra são de uma empresa particular e não tem poder
legal para autuar madeireiros.
- O Ibama só vem quando a gente
faz pressão e protesto grande. Era para virem mais, ou terem pelo menos
um agente aqui – diz um agricultor.
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