Escrito por WIlson Soares
(Diário do Pará)
O agente da PF Fernando Luiz da Silva
Raiol - que durante três meses foi designado pelo Ministério da Justiça
para fazer a segurança pessoal da missionária e depois que ela foi morta
participou das investigações para identificar os autores do crime –
confirmou declarações prestadas em entrevista concedida recentemente a
uma revista pelo intermediário do assassinato, Amair Feijoli da Cunha, o
"Tato". Ele afirma que o revólver calibre 38, usado para matar com seis
tiros a missionária, foi a ele fornecido pelo delegado de Anapu à
época, Marcelo Luz.
"A arma foi entregue em um posto de
gasolina de Anapu", garantiu Raiol ao Diário. A própria Polícia Federal
não conseguiu descobrir, mesmo depois de exaustiva pesquisa, como o
revólver, fabricado antes de 1997 pela empresa Taurus, acabou indo parar
nas mãos de "Tato", hoje um homem convertido à igreja evangélica e que
se diz "arrependido" de fazer acusações contra inocentes. Ele se refere a
Vitalmiro Bastos Moura, o "Bida", a quem apontou como mandante do
assassinato, desmentindo depois a própria versão.
Em outra declaração firmada em documento
no cartório Queiroz Santos e cuja cópia o jornal teve acesso, Raiol
relata que, durante o interrogatório de "Bida", presenciou o momento em
que o fazendeiro confirmou às autoridades que o delegado Marcelo Luz
exigia de cada fazendeiro local a quantia de R$ 10 mil para garantir a
segurança das fazendas contra invasores ligados a missionária.
Segundo o agente federal, o único que
recusou a proposta de segurança foi "Bida", uma vez que ele já tinha
decisão judicial concedendo-lhe a reintegração de posse de uma área
invadida por agricultores ligados a irmã Dorothy. Raiol conta ainda que
no momento das declarações contra o delegado Marcelo Luz, feita pelo
fazendeiro, o delegado Waldir Freire, que interrogava "Bida", determinou
a retirada imediata de Marcelo Luz da sala para preservá-lo,
"fortalecendo o corporativismo existente".
Ao mandar que o delegado deixasse a
sala, de acordo com o agente, Freire teria prometido que as acusações de
"Bida" contra Luz "seriam investigadas rigorosamente". Ocorre, completa
Raiol, que isso não foi devidamente apurado até a presente data. No
depoimento, ele narra que todas as autoridades responsáveis pela
investigação sabiam que Dorothy tinha sido assassinada no sábado pela
manhã e que na segunda-feira foi decretada a prisão de um representante
dos fazendeiros, sem até mesmo ter sido efetuado as prisões do
intermediário e do executor do crime.
CONSÓRCIO
A denúncia informa que a equipe de
investigações era sabedora de que o delegado Marcelo Luz não tinha
naquela oportunidade indícios suficientes de autoria para fundamentar o
pedido de prisão dos acusados, tendo em vista que apenas por intermédio
do interrogatório dos foragidos poderia fazê-lo. Também declara que toda
a equipe de investigação ficou ciente que o delegado optou pela prisão
de um dos fazendeiros, no caso "Bida", somente para desviar a
possibilidade de o próprio delegado ser envolvido no crime por ter
fornecido a arma.
"A prisão de um dos fazendeiros iria
justificar o assassinato da missionária, em que pese a ação e postura da
vítima frontalmente colidir com as dos fazendeiros, pois esses teriam
motivos para assassiná-la", destaca o agente. De acordo com ele, o
consórcio tão mencionado não diz respeito a fazendeiros reunidos em prol
de assassinar a freira, mas em prol de financiar a proteção corrupta do
delegado local. Além disso, denuncia, houve um acordo entre as
autoridades investigativas do caso para culpar os fazendeiros e não
comprometer o delegado.
Polícia investigará nova denúncia
O delegado-geral da Polícia Civil,
Nilton Atayde, procurado pelo Diário, foi informado e recebeu cópia das
declarações do agente federal. Ele anunciou que irá determinar a
abertura de inquérito para apurar as acusações. Ele disse que os fatos
narrados precisam ser esclarecidos pelas pessoas envolvidas. "É preciso
verificar se houve apuração à época dessas denúncias e qual o resultado.
Se não houve, isso terá que ser feito", resumiu o chefe da polícia
paraense.
Para o procurador da República, Felício
Pontes Júnior, que acompanhou a apuração do crime e a condenação dos
denunciados pelo Ministério Público, o depoimento do agente "é
bombástico" e enseja uma apuração rigorosa que esclareça fatos que
surgiram sobre a existência de um consórcio de poderosos interesses na
morte da missionária.
Felício também entende que os fatos
agora revelados poderiam ser suficientes para reabrir o caso. Ele
relembra que Dorothy esteve na polícia por diversas vezes, denunciando
as ameaças que sofria, mas nenhuma providência foi tomada.
O coordenador da Comissão Pastoral da
Terra (CPT) de Belém, Paulo Joanil da Silva, o padre Paulinho, acredita
que o depoimento de Fernando Raiol é muito importante e pertinente. "O
povo espera, a sociedade espera os fatos novos que nunca vieram, mas que
agora estão vindo à tona", afirmou. Para ele, tudo deve ser apurado
pelas autoridades em um novo inquérito que esclareça os fatos que estão
surgindo. O jornalismo investigativo, na avaliação do padre, deve
contribuir para "combater a impunidade" no Pará.
"É mentira o que estão dizendo"
Lotado atualmente em Viseu, na região
nordeste do Estado, o delegado Marcelo Luz, que sempre foi arredio a
jornalistas, rebate, nessa entrevista ao DIÁRIO, as acusações de "Tato" e
Raiol, de que teria fornecido a arma com a qual Rayfran Sales, o
"Fogoió", matou a missionária Dorothy Stang. Além disso, nega ter pedido
propina de R$ 10 mil a cada fazendeiro de Anapu, afirmando que quem
fazia isso era outro delegado. "Agora não existem reclamações contra
esse PM. e ele pegava propina antes de eu chegar. Eu cheguei em Anapu em
outubro de 2004", acusa Luz.
Pergunta - Delegado, o que o sr. tem a
dizer sobre as acusações de que entregou ao Amair Feijoli da Cunha, o
"Tato" , a arma que matou a irmã Dorothy?
Resposta - Isso aí é mentira. Na época,
inclusive, seja Polícia Federal, Polícia Civil, Inteligência,
Corregedoria, tudo quanto foi polícia especializada, investigou isso. É
mentira o que eles estão dizendo.
P - Mas o agente da PF, Fernando Raiol,
que estava na região na época do crime, diz que o sr. entregou a arma ao
"Tato" no posto de gasolina da cidade de Anapu.
R- É mentira, ele está dizendo isso para proteger alguma coisa. É alguma jogada dele.
P- E no caso da denúncia de que o sr.
cobrava propina dos fazendeiros de Anapu para proteger as terras deles
contra o pessoal da missionária?
R- Isso é mentira. Eu não tinha nenhum
contato. Na delegacia era só eu, um escrivão e um investigador. A gente
mal tinha tempo para tomar conta da cidade, imagina dar proteção aos
fazendeiros. Como é que com três pessoas eu podia dar proteção, numa
região imensa e perigosa? Quem precisava de proteção éramos nós. Essas
acusações são todas mentirosas.
P- É verdade que durante o depoimento do
"Bida", no dia em que ele foi preso, o delegado que presidia o
inquérito, Waldir Freire, mandou que o sr. saísse da sala para
protegê-lo em razão das acusações de cobrança de propina?
R- Isso não aconteceu. Existem
procedimentos nos autos, antes mesmo da morte da irmã Dorothy, de
ameaças do "Tato" e seus capangas contra a irmã Dorothy. Isso foi feito e
encaminhado para o fórum da comarca de Pacajá. Inclusive, na época, o
Rayfran e o Clodoaldo, citados nesses procedimentos, deram nomes
errados. Fui eu que fiz esses procedimentos e mandei para Pacajá. Jamais
tive envolvimento com os fazendeiros, se tivesse não teria feito os
procedimentos contra o "Tato" e os pistoleiros.
P- Se esse caso for reaberto, o sr.
estaria disposto a contar tudo o que sabe, para esclarecer de uma vez
por todas as dúvidas que sempre surgem, envolvendo seu nome e um
possível consórcio de fazendeiros para matar a Dorothy?
R- Com certeza, eu quero esclarecer.
Tenho provas das ações que tomei. Quando recebia denúncias de ameaças,
imediatamente tomava as providências.
P- A missionária denunciou várias vezes
que pedia ajuda da polícia para ir às terras do PSD ver o que os
fazendeiros estavam fazendo, mas o sr. recusava os pedidos.
R- Isso não é verdade. Eu sempre fazia
trabalho de policial civil, trabalho investigativo. Não é papel da
Polícia Civil entrar em áreas de conflito agrário. Nosso papel era
apenas apurar os fatos que surgiam. A gente ficava até sem carro para o
trabalho. O carro estava sempre no conserto. Na quinta-feira, antes da
morte da irmã Dorothy, o carro tinha ido para Belém para fazer a
revisão. Ela foi morta no sábado.
P- A irmã Dorothy foi indiciada em um homicídio em conflito de terra pela Polícia Civil.
R- Não fui eu quem indiciei a irmã
Dorothy, foi o delegado P.M. Agora não existem reclamações contra esse
delegado e ele pegava propina antes de eu chegar. Eu cheguei a Anapu em
outubro de 2004.
P- Já havia reclamações de que o
delegado pegava propina antes de o sr. chegar ao município? Por que o
sr. não pediu providências para que isso fosse apurado?
R - Eu não vou entrar em detalhes,
porque quem tem que ver isso é a corregedoria. Inclusive tem uma fazenda
lá onde mataram vários trabalhadores. Alguma coisa houve que não
puderam explicar e pegaram uma propina muito alta. Eu sabia dessa
situação por alto, mas não entramos em detalhes.
Relembre
O CRIME
Dorothy Mae Stang, de 73 anos,
missionária norte-americana naturalizada brasileira, foi morta com seis
tiros por Rayfran das Neves Sales, o "Fogoió", no dia 12 de fevereiro de
2005, em Anapu, no centro do Pará.
O MOTIVO
A missionária contrariava interesses de
grandes fazendeiros ao defender uma vida digna, com geração de emprego,
renda e preservação da floresta, em terras da União Federal, para
famílias de agricultores envolvidas em um projeto de desenvolvimento
sustentado conhecido por PDS.
Fonte: Blog Comissão Pastoral da Terra
Nenhum comentário:
Postar um comentário