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BBC Carnes
usadas como matéria-prima na produção de embutidos e processados
foram a principal fonte de irregularidades encontradas pela PF
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Carne
com papelão? Vitamina C cancerígena na salsicha? Desde que a
Operação "Carne Fraca" da Polícia Federal foi deflagrada
na última sexta-feira, as informações se espalharam pela internet
e causaram pânico em muitos consumidores.
A
BBC Brasil conversou com engenheiros de alimentos e especialistas em
carnes para esclarecer o que pode e o que não pode ser adicionado no
processamento de carnes e quais as preocupações que a investigação
da PF deve despertar no consumidor.
Para
alguns deles, a maneira como a operação foi divulgada acabou
gerando uma desconfiança "exagerada" sobre a carne
brasileira.
"A
polícia agiu mal com a maneira como divulgaram tudo. Acho que houve
um certo exagero, para precipitar a loucura que foi na imprensa
ontem", disse à BBC Brasil o engenheiro de alimentos Pedro
Felício, da Unicamp.
A
também engenheira de alimentos Carmen Castillo, da ESALQ - USP
(Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), ressalta que as
empresas que fabricam produtos com carne devem obedecer estritamente
à legislação, mas pontua que alguns ingredientes citados nas
acusações, como o ácido ascórbico, são necessários para o
processamento dos alimentos.
"Não
é problema usar esses ingredientes, o problema é não respeitar os
níveis permitidos", disse à BBC Brasil. De acordo com a
Polícia Federal, esse seria um dos delitos cometidos pelas empresas,
que utilizavam ingredientes no processamento de carnes em quantidades
acima dos níveis permitidos.
"Eles
usam ácidos, outros ingredientes químicos, em quantidades muito
superiores à permitida por lei pra poder maquiar o aspecto físico
do alimento estragado ou com mal-cheiro", explicou o delegado da
PF responsável pela investigação, Maurício Moscardi Grillo, em
entrevista coletiva na sexta-feira.
A
operação deflagrada pela PF foi a maior de sua história e revelou
que empresas do setor, incluindo as as gigantes JBS e a BRF,
adulteravam a carne que vendiam no mercado interno e externo.
A
investigação também revelou um esquema de propinas e presentes
dados pelos frigoríficos a fiscais do Ministério da Agricultura,
que supostamente recebiam para afrouxar a fiscalização e liberar a
comercialização de carne vencida e adulterada.
Sobre
as acusações, a JBS se manifestou dizendo que "é a maior
interessada no fortalecimento da inspeção sanitária no Brasil",
ressaltando que "no despacho da Justiça Federal que deflagrou a
operação, não há qualquer menção a irregularidades sanitárias
ou à qualidade dos produtos da JBS e de suas marcas." A BRF
disse que "apóia a fiscalização do setor e o direito de
informação da sociedade com base em fatos, sem generalizações que
podem prejudicar a reputação de empresas idôneas e gerar alarme
desnecessário na população."
Exagero?
O
delegado Grillo explicou os problemas encontrados na carne das
empresas investigadas pela operação - que iam desde mudar a data de
vencimento e a embalagem de carnes estragadas, que eram usadas como
matéria-prima para embutidos, até injetar água em frangos para
alterar seu peso e mascarar a deterioração de carnes com o uso de
ácido ascórbico.
"São
dois anos de análise de fatos, desde utilização de papelão por
essas empresas - até essas que já citei de grande porte (JBS e BRF)
- para colocar esse tipo de situação em comidas, pra fazer
enlatados, e outras coisas que podem prejudicar a saúde humana.
(...) Tudo isso mostra que o que interessa para esse grupo é o
capitalismo, é o mercado, independente da saúde pública",
disse.
"Determinados
produtos, cancerígenos até, em alguns casos, eram usados pra poder
maquiar as características de um produto estragado ou com cheiro."
Mas
alguns especialistas ouvidos pela BBC Brasil avaliam o modo como as
informações foram divulgadas como "sensacionalista".
"A
divulgação da operação foi muito sensacionalista. Essa é uma
questão pontual. Estou nesse mercado, estudando e trabalhando, há
30 anos. Uma das empresas que dirijo importava carne do Uruguai e da
Argentinos até 2012. Hoje, 100% da carne que usamos é produzida no
Brasil porque melhorou muito a qualidade", afirma Sylvio
Lazzarini, dono do restaurante Varanda Grill, em São Paulo.
Já
Felício ressaltou a importância da investigação e disse que a
operação revela um problema no setor, que "precisa de uma
renovação no sistema de fiscalização". Ele destaca, porém,
que é preciso tomar cuidado com a "demonização" de
ingredientes comuns na indústria de carnes, como o ácido ascórbico,
"que é utilizado no mundo todo".
A
BBC Brasil procurou a Polícia Federal, mas não obteve resposta até
o fechamento dessa reportagem.
©
Reuters Sistema
de fiscalização precisa de renovação, mas carne brasileira é de
alta qualidade, segundo Pedro Felício
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Papelão
Ao
anunciar a operação, a PF mencionou que empresas envolvidas no
esquema de corrupção "usavam papelão para fazer enlatados
(embutidos)".
Em
uma das ligações telefônicas citadas no relatório da Polícia,
funcionários da BRF falam sobre o uso de papelão na área onde
produzem CMS (carne mecanicamente separada, comumente usada na
produção de salsichas).
No
áudio, é possível ouvir:
"Funcionário:
o problema é colocar papelão lá dentro do cms também né. Tem
mais essa ainda. Eu vou ver se eu consigo colocar em papelão. Agora
se eu não consegui em papelão, daí infelizmente eu vou ter que
condenar.
Luiz
Fossati (gerente de produção da BRF): ai tu pesa tudo que nós
vamos dar perda. Não vamos pagar rendimentos isso."
Pedro
Felício acredita que a referência ao papelão não foi feita como
ingrediente para o processamento da carne. "Acho muito difícil
isso ter acontecido. O que acontece é que tem áreas dentro das
indústrias que são chamadas de área limpa, onde não podem entrar
embalagens secundárias, como caixas de papelão", diz.
"Na
gravação que ouvi, duas pessoas falavam em entrar com uma embalagem
de papelão na área limpa. Evitar papelão nessas áreas faz parte
das boas práticas de manufatura, mas não fazer isso não é o mesmo
que usar papelão dentro da salsicha."
Em
nota, a empresa BRF afirmou que "houve um grande mal entendido
na interpretação do áudio capturado pela Polícia Federal".
A
empresa afirma que um de seus funcionários falava que tentaria
embalar a carne em papelão. O produto é embalado normalmente em
plásticos.
"Na
frase seguinte, ele deixa claro que, caso não obtenha a aprovação
para a mudança de embalagem, terá de condenar o produto, ou seja,
descartá-lo", afirma Felício.
Ácido ascórbico
O
ácido ascórbico - a popular vitamina C - também foi citado pelo
delegado da PF como algo utilizado para "maquiar" o aspecto
da carne.
"Eles
usam ácido ascórbico e outras substâncias na carne pra maquiar
essa imagem ruim que ficaria se ela fosse expostas dessa forma.
Inclusive cancerígenas. Então se usa esses produtos multiplicados
5, 6 vezes pela quantia permitida pela lei para que não dê cheiro,
e o aspecto de cor fique bom também", disse Grillo.
A
partir daí, muitas pessoas associaram o ácido ascórbico como sendo
uma substância potencialmente cancerígena. De acordo com a OMS, ela
pode contribuir com distúrbios gastrointestinais, cálculos renais e
outros problemas de saúde se for consumida em excesso e por longos
períodos de tempo, mas não há evidências de qualquer relação
com o câncer.
Os
especialistas alertam que o uso de ácido ascórbico em si na carne
não é problema. "O uso dele tem benefícios e não é para
mascarar carne adulterada. Ele tem uma função nas carnes
processadas como antioxidante, ajuda a melhorar a estabilidade do
sabor e reduzir o teor de nitrito residual. O nitrito é um aditivo
para realizar a cura, que é uma etapa importante no processamento da
maior parte dos produtos processados. Todo ingrediente não cárneo
tem função a cumprir no processamento de alimentos", afirmou
Carmen Castillo.
Pedro
Felício pontua que o ácido ascórbico "evita que a carne fique
com uma coloração marrom" e que "isso é feito no mundo
todo".
A
substância, segundo Felício, consegue mascarar a deterioração da
carne no princípio, quando ela só tem algumas manchas, mas não
quando o estado é mais avançado.
"A
carne usada como matéria-prima não deve ter qualquer aditivo, nem o
ácido ascórbico. Se a Polícia achou isso, não deveria acontecer",
diz.
© Reuters carne |
Salsicha de peru sem peru
A
descoberta de que, no Paraná, alunos da rede pública estadual
consumiram salsicha de peru sem carne de peru - preenchida com
proteína de soja, fécula de mandioca e carne de frango - deu início
à investigação de dois anos.
"Muitas
vezes verificou-se a falta de proteína, por exemplo, numa merenda
escolar, trocada por fécula de mandioca ou então a proteína da
soja, que é muito mais barata do que a carne, então substituía.
Muitas vezes até tinha a quantidade de proteína suficiente, mas não
era a proteína da carne, era proteína de outro alimento, que não
traz as mesmas substâncias pro corpo humano como a carne",
afirmou o delegado.
O
uso de soja e de fécula de mandioca são comuns na produção de
embutidos em todo o mundo, segundo os especialistas, porém é
preciso respeitar as quantidades permitidas pela lei.
"É
preciso observar as quantidades usadas, porque elas só podem ser
usadas dentro dos limites da lei. Senão, você tem um produto de
carne que tem predominância de matérias-primas não cárneas",
diz Felício.
Injeção de água no frango
Segundo
a PF, fiscais teriam descoberto que frangos da empresa BRF, a maior
exportadora de frango do mundo, teriam "absorção de água
superior ao índice permitido".
"Injetar
água no frango é um problemão com o qual o Brasil vive e luta
contra há muito tempo. Há oito anos que o Ministério da
Agricultura é cobrado pelo Ministério Público que o frango não
pode ter mais de 8% de água", afirma Felício.
"É
uma luta difícil. Eu não duvido que isso aconteça muito por aí,
mas existe um esforço para combater."
A
prática não chega a ser prejudicial à saúde, mas altera o peso da
carne. "É uma fraude econômica", diz o engenheiro.
© Reuters Cerca de 30 empresas estão sendo investigadas pela PF, incluindo as gigantes do setor, JBS e BRF, que negam irregularidades |
Cabeça de porco
O
uso da carne de cabeça de porco ou de boi em linguiças é discutido
em uma das ligações interceptadas entre os sócios do frigorífico
Peccin e é proibido no Brasil. "Usavam cabeça de porco, animal
morto, tudo para fazer esse tipo de produtos, principalmente esses
derivados, salsicha, linguiça, e outros produtos", afirmou
Grillo.
A
utilização de cabeça de porco é admitida em outros países,
segundo Felício. "Não será a melhor linguiça do mundo, mas
não é prejudicial à saúde. Será um produto comestível, mas de
categoria inferior."
"No
Brasil, essa carne é considerada como matéria-prima nas formulações
de embutidos cozidos, como mortadela, mas não em linguiças, que são
cruas."
© Getty Images Jornais alertam para impactos do escândalo da carne brasileira para a economia nacional |
O consumidor deve se preocupar?
Segundo
Sylvio Lazzarini, as irregularidades encontradas pela Polícia
Federal devem ser punidas, mas não representam a totalidade dos
produtos feitos no Brasil e vendidos em supermercados e restaurantes.
"A
carne brasileira evoluiu muito nos últimos anos e é muito segura.
Senão o Brasil não exportaria para os países asiáticos, e muito
menos para os EUA, que tem um dos maiores controles fitossanitários
do planeta", diz Lazzarini.
Para
o empresário, "irregularidades desse nível existem em todo o
mundo porque bandidos existem em todo lugar".
O
Ministério da Agricultura divulgou nota também para "acalmar
os ânimos" dos consumidores. "O Serviço de Inspeção
Federal é considerado um dos mais eficientes e rigorosos do mundo.
Tem um quadro de 2.300 servidores e inspeciona 4.837 unidades
produtoras habilitadas para exportação para 160 países. Foi com
este Serviço que construímos uma reputação de excelência na
agropecuária e conseguimos atender às exigências rigorosas de
diferentes nações", afirma a pasta.
O
delegado da PF chegou a ser questionado na coletiva de imprensa se
seria correto afirmar que "quase nenhum produto no mercado hoje
está 100% livre dessas possíveis fraudes". Ele respondeu com
cautela, mas não escondeu sua preocupação.
"É
possível que a gente tenha consumido alimentos de baixa qualidade,
no mínimo, com qualidade inferior do que deveria ser fornecido."
"Hoje
é realmente complicado. Tenho ido ao mercado e passeio um bom tempo
até escolher um produto, mudou esse aspecto na minha vida. É
difícil porque a confiança que a gente tem nas empresas, pelo menos
da minha parte, mudou muito. São empresas que a gente considerava
corretas, então assusta. Obviamente deve ter empresas sérias,
corretas, mas na investigação foi assim, foi aparecendo uma, depois
outra. Acho que a gente pode dizer que todas as empresas que a gente
teve o azar ou a sorte de investigar tiveram problemas sérios. Foram
quase 40."
Para
evitar problemas, Pedro Felício afirma que os consumidores devem
sempre conferir se os estabelecimentos de onde compram carne vendem
produtos com certificação de origem e de inspeção, de preferência
federal.
"O
que está sendo utilizado nos produtos está aprovado e discutido e é
usado em outros países. Eu não acredito que essas acusações
possam ser generalizadas, acho que é um problema localizado e o
governo terá que resolver", diz.
Fonte:
MSN/BBCBrasil
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